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História da Intifada Palestina

Artigo de Cecília Toledo publicado na revista Marxismo Vivo e no especial Infatifada Paletina do site do PSTU.


Israel: cinco décadas de pilhagem e limpeza étnica

Por Cecília Toledo, jornalista e militante do PSTU,
para a revista Marxismo Vivo

“Foi para uma terra sem povo que lentamente, no final do século passado, começou a se encaminhar um povo sem terra”.1 Essa história, que desde a fundação de Israel em 1948 vem sendo martelada na cabeça dos povos do mundo inteiro, começa a ruir. E já não mais apenas por obra dos marxistas revolucionários, mas dos próprios israelenses. Tom Segev, um dos mais destacados historiadores de Israel da atualidade, entrevistado recentemente pelo jornal Folha de S.Paulo2, demonstra essa falácia. Autor do livro 1949 – Os Primeiros Israelenses, Segev se baseia no diário do pai-fundador de Israel, David Ben Gurion, no qual ele descreve sua política para forçar a saída dos árabes do recém-criado país. O livro, antes repudiado por mostrar que a versão oficial, em voga até então, era fantasiosa e que os árabes não deixaram Israel por vontade própria, mas foram expulsos com requintes de crueldade, já está inclusive sendo adotado nas escolas.

Esse “reconhecimento” por parte da história oficial é um tanto quanto tardio se levamos em conta que outros autores, em especial os marxistas, já haviam, exaustivamente, contado a história real do sionismo e desmascarado uma das mais monumentais falsificações históricas já feitas até hoje. Entre esses historiadores marxistas destacam-se o militante revolucionário Abraham Leon, morto nas câmaras de gás de Auschwitz aos 26 anos, e autor do importante livro A Questão Judia, e Ralh Schoenman, que escreveu a História Oculta do Sionismo, um relato detalhado e que não deixa dúvidas sobre a ocupação judia da Palestina. No entanto, esse reconhecimento é mais uma demonstração de que a situação é tão grave e o avanço da Intifada tão forte que até importantes historiadores israelenses já estão admitindo que a ideologia “da terra sem povo” é pura invencionice, e negam a torrente de mentiras que os sionistas vêm pregando há décadas e que serviram para iludir muita gente.

Judeus: um povo-classe nas sociedades pré-capitalistas

Abraham León parte da proposta de Marx para demonstrar que a suposta originalidade do povo judeu tem causas materiais e históricas, sem qualquer relação com Jeová ou uma pseudo “essência” racial imutável, como supõem tanto os anti-semitas quanto os sionistas. Segundo Marx, para entender a questão judia, “não devemos buscar o segredo do judeu em sua religião, mas o segredo da religião no judeu real” 3. Partir da religião, como normalmente se costuma fazer, não explica a questão judia; para entendê-la é preciso entender o judeu em seu papel econômico e social.

León vai em busca das origens do povo judeu e chega à importante e rica noção de povo-classe. Nas sociedades pre-capitalistas, os judeus foram uma classe social, um povo-classe4, como são, entre outros povos, os ciganos. Os judeus representavam as formas “pré-históricas” do capital, tanto no mundo antigo como no mundo feudal. No feudalismo, as transações com dinheiro ocorriam relativamente à margem do modo de produção, já que essas sociedades eram produtoras de valores de uso e não de troca. Por ser uma atividade marginal, era exercida por “estrangeiros”, por povos-comerciantes, como os fenícios, os judeus e os lombardos. Esses eram povos-classe que, como dizia Marx, existiam nos poros da sociedade produtora de valores de uso. Assim, os judeus são a sobrevivência de uma velha classe mercantil e financeira pre-capitalista.

Sobre essas relações materiais dos judeus se assentava uma superestrutura institucional e ideológica: autoridades comunitárias, uma religião “especial” e o mito de considerar-se descendentes do primitivo povo hebreu que habitava a Palestina no início de nossa era. Essa superestrutura ajudava a manter a coesão do povo-classe mas, ao mesmo tempo, falsificava a verdadeira natureza de sua existência. É o fenômeno da falsa consciência, comum a todas as ideologias. E explica porque não há unidade racial entre os judeus. Oculto sob esse manto ideológico-religioso, ocorria o fenômeno da incorporação de indivíduos ou grupos inteiros ao povo-classe. Isso explica que tenha existido judeus de “raça” mongólica no Daghestão, judeus negros (os falasha) na Etiópia, judeus árabes no Islã e judeus de origem eslava na Europa Oriental. Isso prova que a descendência comum de Abraham ou dos habitantes da Palestina no início de nossa era é puro mito.

Com o desenvolvimento do capitalismo, a velha classe comercial pre-capitalista judia foi perdendo as bases materiais de sua existência como povo-classe. Na Europa Ocidental, especialmente na Inglaterra, os judeus começam a assimilar-se de forma natural. Mas antes que esse processo atingisse a Europa Oriental, de capitalismo mais atrasado, entramos na etapa imperialista do capitalismo, de decomposição no mundo todo.

Os judeus, tanto na Europa Ocidental quanto Oriental, passaram a enfrentar uma situação dramática. Ao colocar a solução do problema judeu nos termos na luta pelo socialismo, o marxismo começou a exercer uma grande atração sobre as massas judias. Seu caminho era fundir-se com a classe trabalhadora em suas lutas contra o capitalismo, porque para as massas judias miseráveis de Varsóvia ou de Kiev, o caminho seguido por seus correligionários mais afortunados da Inglaterra ou da França, da assimilação como burgueses nos marcos do capitalismo, já estava fechado para elas. Na Rússia, enquanto o império zarista alentava os choques entre russos e polacos ou ucranianos, ou destes contra os judeus, e enquanto o Império Austro-Húngaro fazia o mesmo no mosaico de povos que dominava, os marxistas revolucionários chamavam a unidade de todos os trabalhadores (de qualquer língua, nacionalidade ou “raça”) para lutar contra esses regimes e contra toda a burguesia imperialista européia.

Por isso, muitos operários, estudantes e intelectuais de origem judia ingressaram nas fileiras socialistas e se assimilaram aos trabalhadores de seus países. Mas o velho povo-classe, nas condições do capitalismo moderno, era cada vez menos homogêneo. E assim também famílias ricas, como os Rothschild e outros milionários se ligaram à burguesia imperialista dos diversos países europeus. E, entre as saídas burguesas para o problema judeu apontadas por esses setores, a mais importante é o sionismo. Outra saída reformista foi proposta por aqueles que ficaram conhecidos como bundistas.

O que foi o bundismo

Os bundistas eram membros do Bund, a União Geral de Operários Judeus da Lituânia, Polônia e Rússia, fundada em 1897. Surgiram na Rússia como um setor da social-democracia, tanto que, no início, fez parte do Partido Operário Social-Democrata Russo, mas quando este se dividiu, o Bund se colocou contra os bolcheviques5.

A base social do Bund era constituída por setores de artesãos, semiproletários ou operários de pequenas oficinas, especialmente da indústria de vestuário. Era um vasto setor com um pé no velho gueto e outro no proletariado industrial moderno. Isto se refletia na ideologia do Bund que, por um lado se reivindicava marxista e revolucionário e, de outro, negava o internacionalismo ao levantar barreiras entre os operários de distintas nacionalidades. Com a bandeira de defender a cultura nacional, pregava que os operários judeus deviam organizar-se de forma separada dos operários russo, poloneses etc. Assim, acabava por fazer o jogo da burguesia, ao dividir os trabalhadores de cada fábrica ou cidade segundo sua origem nacional ou “racial”.

Esse caráter contraditório, reflexo de uma contradição real de sua base social, determinava que, apesar de sua capitulação ao nacionalismo burguês, o Bund não propunha que os trabalhadores judeus se separassem da luta de classe e se unissem à burguesia judia para ir colonizar a Palestina ou algum outro território. Quem fez isso foram os sionistas.


O surgimento do sionismo

Também em 1897, quando surgiu o Bund, realizou-se em Basiléia, Suíça, o Congresso de Fundação da Organização Sionista6. O pano de fundo da irrupção do movimento sionista foi a rápida capitalização da economia russa depois da reforma de 1863, que tornou insustentável a situação das massas judias das pequenas cidades. No Ocidente, as classes médias, trituradas pela concentração capitalista, começam a se voltar contra o elemento judeu, cuja competição agrava sua situação.7

Em meio a esse clima, surge na Rússia a Associação dos Amantes de Sion e é publicado o livro de León Pinsker, A Auto-emancipação, preconizando o retorno à Palestina como única solução possível para os judeus. Logo depois, um jornalista judeu de Budapest, Teodoro Herzl, escreve O Estado Judeu, que até hoje é considerado o evangelho do movimento sionista, segundo Abraham Leon.8 Na França, o barão de Rothschild, junto com outros magnatas judeus, se opõe à chegada em massa de imigrantes judeus nos países ocidentais e começa a apoiar a obra de colonização judia da Palestina. “A seus ‘irmãos desafortunados’ a voltar ao país de seus ‘antepassados’, ou seja, a ir o mais longe possível, nada tinha de desagradável para a burguesia judia do Ocidente, que temia, com razão, o crescimento do anti-semitismo”, diz León. Assim, ainda que a Organização Sionista passasse a disputar a mesma clientela que o Bund e inclusive o socialismo revolucionário, seu caráter de classe era marcadamente distinto: aparecia como o programa de um setor da grande burguesia judia, que terminaria sendo dominante dentro dela.

No princípio, o sionismo aparece como uma reação da pequena burguesia judia, duramente golpeada pela crescente onda de anti-semitismo, tendo que se bandear de um país a outro, que quer atingir a Terra prometida a todo custo para livrar-se dessa situação. No entanto, o sionismo procura assentar-se em uma explicação religiosa para justificar sua existência. No ano 70 da era cristã, os judeus teriam sido expulsos de Jerusalém, ocupada pelos invasores romanos. Como na Bíblia, Jerusalém era considerada a pátria dos judeus, eles teriam sido expatriados; foi a famosa diáspora, que espalhou os judeus pelos quatro cantos do mundo.

Voltando a Marx, para entender a questão judia é preciso partir das condições materiais de vida do judeu e não da religião, das fantasias e ideologias criadas ao longo da história. “Enquanto que o sionismo é, realmente, produto da última fase do capitalismo, ou seja, do capitalismo que começa a se descompor, se vangloria de ter sua origem em um passado mais que bimilenário. E se bem o sionismo é essencialmente uma reação contra a crise do judaísmo gerada pela combinação do desmoronamento do feudalismo com a decadência do capitalismo, afirma ser uma reação contra a situação existente desde a queda de Jerusalém, no ano 70 da era cristã”, diz A.León.

Mas o próprio surgimento do movimento sionista refuta essas pretensões. “Como crer que o remédio a um mal existente há dois mil anos só tenha sido encontrado no final do século XIX? O sionismo vê a queda de Jerusalém como causa da dispersão e por conseguinte, a origem de todos os males do judeus no passado, no presente e no futuro. “A fonte de todas as desgraças do povo judeu está na perda de sua pátria histórica e sua dispersão em todos os países”, declara a delegação “marxista” do Poalé-Sión no Comitê holando-escandinavo9.

Essa história dos judeus, como é contada pelos sionistas, trata de criar o pano de fundo para justificar a ocupação da Palestina. Assim, depois da violenta dispersão dos judeus por obra dos romanos, os judeus não quiseram assimilar-se. Imbuídos de sua “coesão nacional”, “de um sentimento ético superior” e de “uma indestrutível crença em um Deus único”, teriam resistido a todas as tentativas de assimilação.10 O que não é verdade, já que, como vimos anteriormente, houve ao longo desses dois mil anos inúmeros casos de assimilação. Mas, de acordo com a histórica construída pelos sionistas, isso jamais teria ocorrido; a única esperança dos judeus durante esses dias sombrios que duraram dois mil anos era retornar à antiga pátria.

Segundo A.León, nunca o sionismo havia se colocado essa questão de forma séria. Por que, pergunta, durante esses dois mil anos jamais tentaram voltar realmente a essa pátria? Por que foi necessário esperar até o fim do século XIX para que Herzl os convencesse dessa necessidade? Por que todos os seus predecessores eram tratados como falsos messias? Para responder a essas incômodas perguntas, o sionismo recorre aos mitos. “Enquanto as massas acreditaram que deviam esperar na Diáspora até a chegada do Messias, foi preciso sofrer em silêncio”, diz Zitlovski.11 No entanto, como diz León, essa explicação não explica nada. Se trata precisamente de saber por que as massas judias acreditavam que deviam esperar o Messias para poder ‘regressar à sua pátria’. Como a religião é um reflexo ideológico dos interesses sociais, a partir do final do século XIX ela começou a deixar de ser um obstáculo para o avanço do sionismo e a se transformar numa cortina de fumaça para seu expansionismo, servindo para encobrir e justificar todas as suas mazelas.

Essas concepções idealistas do sionismo são inseparáveis do dogma do anti-semitismo eterno, ou seja, de que passe o que passe, os judeus serão sempre perseguidos. Dessa forma, o sionismo transpõe o anti-semitismo moderno para toda a história, economizando o trabalho de investigar as diversas formas de anti-semitismo e suas causas, e inclusive omitindo o fato de que em diversas épocas históricas os judeus não foram oprimidos, mas opressores, como membros da classe dominante.

“Na verdade, a ideologia sionista, como toda ideologia, não é senão o reflexo desfigurado dos interesses de uma classe. É a ideologia da pequena burguesia judia, oprimida entre o feudalismo em ruínas e o capitalismo em decadência, sintetiza A.León. Ele ressalta um fato justo, ou seja, que a refutação das fantasias ideológicas do sionismo não refuta, naturalmente, as necessidades reais que o fizeram nascer. É o moderno anti-semitismo e não o mítico anti-semitismo “eterno” o melhor agitador em favor do sionismo. Assim a questão fundamental é saber em que medida o sionismo é capaz de resolver não “o eterno problema judeu” mas a questão judia na época da decadência capitalista.

O defensores do sionismo o comparam com os demais movimentos nacionais. Mas o movimento nacional da burguesia européia é conseqüência do desenvolvimento capitalista; reflete a vontade da burguesia de criar as bases nacionais da produção, de abolir os resquícios feudais. Mas no século XIX, época do florescimento dos nacionalismos, a burguesia judia, longe de ser sionista, era profundamente assimilacionista. O processo econômico que fez surgir as nações modernas lançava as bases para a integração da burguesia judia na nação burguesa. Só quando o processo de formação das nações chega ao fim, quando as forças produtivas deixam de crescer, premidas pelas fronteiras nacionais, surge o processo de expulsão dos judeus da sociedade capitalista e o moderno anti-semitismo. A eliminação do judaísmo acompanha a decadência do capitalismo. Longe de ser um produto do desenvolvimento das forças produtivas, o sionismo é justamente a conseqüência da total paralisia desse desenvolvimento, da petrificação do capitalismo, nas palavras de A Leon. Assim, enquanto o movimento nacional é um produto do período ascendente do capitalismo, o sionismo é fruto da era imperialista. A tragédia judia do século XX é uma conseqüência direta da decadência do capitalismo.12

Com toda razão, A.León lembra que justamente aí está o principal obstáculo para a realização do sionismo, a chave para se compreender a crise que vive a Palestina desde a fundação do Estado de Israel. A decadência capitalista, base do crescimento do sionismo, é também a causa da impossibilidade de sua realização. A burguesia judia se vê obrigada a criar um Estado nacional e assegurar as condições para o desenvolvimento de suas forças produtivas justamente na época em que as condições para isso desapareceram há muito tempo. A decadência do capitalismo, se por um lado colocou de forma tão aguda a questão judia, por outro torna impossível sua solução pela via sionista. E não há nada de assombroso nisso, diz Leon. Não se pode suprimir um mal sem destruir suas causas. O sionismo quer resolver a questão judia sem destruir o capitalismo, principal fonte dos sofrimentos dos judeus”.13

Isso remarca, como ferro em brasa, o caráter de classe do movimento sionista. É certo que os pioneiros da colonização da Palestina eram artesãos, pequenos comerciantes pobres, pessoas sem grandes posses. Dessa forma, tratou-se de criar uma imagem “plebéia” e até “operária” e “socialista” ao sionismo. Seus defensores, principalmente os que se dizem de esquerda, aceitam a idéia de que o movimento sionista não era um fator progressivo na política européia, mas argumentam que isso era secundário frente a um fato essencial: o sionismo seria o movimento de liberação nacional do povo judeu. E do “povo mais pobre”, daí ser uma “causa justa”.

É claro que não estava nos planos de Rothschild e da grande burguesia judia irem pessoalmente à Palestina cultivar a terra. O que fizeram foi um impulsionar um movimento para confinar os judeus mais pobres na Terra Santa e, com isso, afastá-los da luta de classes na Europa e dos partidos de esquerda, e, por outro lado, livrarem-se, eles em primeiro lugar, da fúria antisemita que crescia a olhos vistos. Outro objetivo desse movimento impulsionado pela burguesia judia era transferir essas massas para fora da Europa para constituir um Estado Judeu num ponto estratégico, em meio à maiores reservas de petróleo do mundo, ameaçadas pelo ascenso das massas árabes. Por isso, o Estado de Israel se tornou um enclave do imperialismo na região, o gendarme do mundo árabe.


Uma região “vazia”

Segundo os sionistas, a Palestina era uma região praticamente vazia. “Vastas regiões do país permaneciam inexploradas e pertenciam a senhores feudais ausentes. Estavam infestadas de malária e, além de algumas barracas de beduínos dispersas, estavam desabitadas e, por isso, disponíveis”.14 Nas vizinhanças da Terra Santa havia apenas alguns núcleos heterogêneos, muçulmanos, chequizes, maronitas, cristãos e gregos ortodoxos. Foi para uma terra sem povo que lentamente, no final do século passado, se começou a encaminhar um povo sem terra”.15

Vive-se a época da expansão colonial da Europa na Ásia e África. É nesse marco histórico se inicia o sionismo. E a Palestina, longe de ser uma terra vazia e sem dono, estava ocupada por outro povo, o povo árabe. Isso era um problema para a burguesia judia européia, tanto que Herzl nem menciona a palavra “árabe” em seu livro, apesar de saber, obviamente, da existência dos árabes. Essa falsificação, escondida durante tantos anos, não resiste mais à evidência dos fatos e, principalmente, ao recrudescimento da luta palestina, obrigando até mesmo os historiadores oficiais de Israel a reconhecer que aquela “não era uma terra sem povo”.

Esse foi o papel reservado aos desesperados judeus da Europa Oriental: servir de ponta de lança dos planos colonizadores da burguesia imperialista, em especial os Estados Unidos, interessados em criar uma cabeça de lança no Oriente Médio. Com um discurso filantrópico, a expansão colonial usava as massas miseráveis de judeus para seus fins nada louváveis. Quem poderia se opor a que os pobres judeus saíssem da escuridão dos guetos para o sol da Palestina? Infelizmente, essa troca, por mais benéfica que tivesse sido para eles, foi feita às custas dos árabes, massacrados e, estes sim, expulsos de sua terra de fato, e não por obra e graça de uma história bíblica.


Declaração Balfour: a segunda etapa do sionismo

A política de Teodoro Herzl, o pai do sionismo, e seus sucessores foi a de aproveitar-se do processo de expansão colonial imperialista para ocupar a Palestina. Para isso, precisava que alguma potência imperialista abraçasse a causa sionista. Assim, sua atividade principal foram as gestões perante as diversas potências européias, buscando insertar o sionismo como parte de sua política colonial. Esse apoio veio, em primeiro lugar, da Inglaterra, um império que, desde meados do século, se expandia a todo vapor.

As gestões de Herzl em Londres foram bem acolhidas, mas havia um problema objetivo: a Palestina estava em mãos da Turquia. A Inglaterra então oferece a Herzl colonizar a Uganda ou o Sinai egípcio, mas essa possibilidade não se concretiza. Havia um segundo problema objetivo: o sionismo não era muito forte entre as massas judias. Os que queriam emigrar, o faziam massivamente para a América; tanto que uma das opções discutidas foi a constituição do Estado sionista na Argentina. Pouquíssimos judeus iam para a Palestina. E uma boa parte dos que ficavam eram antisionistas, ou estavam sob a influência dos partidos de esquerda.

Com a I Guerra Mundial, chegara a hora da repartição da Turquia. Para apressá-la, a Inglaterra se serve do movimento nacional dos árabes que havia começado a despertar. E, por outro lado, firma um acordo com a França, de repartição da zona, além de assinar a chamada Declaração Balfour (2/11/1917), que ficou conhecida como a “aliança de casamento” entre o sionismo e o imperialismo inglês.

Assim começava a segunda etapa do sionismo, que culminaria com a criação do Estado de Israel. Além de dar aos ingleses um valioso auxiliar para estabelecer um futuro protetorado em Palestina, a Declaração Balfour colocava em mãos inglesas uma poderosa arma para liquidar o movimento nacional árabe, fortalecer a política de guerra do imperialismo britânico e sua luta contra a Revolução Russa.

O caminho em direção a Israel estava sendo traçado com as seguintes características: 1) por uma declaração unilateral de uma grande potência imperialista; 2) essa declaração impunha o destino de uma região da Ásia que jamais havia pertencido à Inglaterra, que dava de presente a Lorde Rothschild o território de uma nação alheia; 3 não levava em conta os desejos do povo palestino, que era 93% árabe em 1917. Esses 93% eram reduzidos à condição de não-judeus, confinados em um “lar nacional judeu”, ou seja tratados como estrangeiros em sua própria terra.


O mandato britânico (1918-1948)

No final da I Guerra Mundial, os Aliados (Inglaterra, França, Itália e EUA) criaram a Sociedade das Nações, antecessora da atual ONU, que “outorgou” à Inglaterra o mandato sobre a Palestina. Mas naqueles tempos as coisas não corriam muito tranqüilas para o imperialismo. Havia surgido, pela primeira vez na história, um Estado Operário, a URSS que se opunha à expansão colonialista e em todo o mundo colonial começava uma grande onda de lutas antiimperialistas.

Dentro do mundo árabe, o Oriente Médio concentrou as lutas mais importantes contra os imperialismos inglês e francês. A Palestina foi o eixo dessa luta, especialmente durante a insurreição de 1936/39, que começou com uma greve geral que durou seis meses e, para ser sufocada, exigiu a metade dos efetivos de todo o exército britânico, um dos mais poderosos do mundo nesse momento. Centenas e centenas de palestinos foram mortos, detidos e condenados à forca ou a longas penas de prisão. Em 1939, o povo palestino estava derrotado. Essa é a chave para entender a relativa facilidade com que em 1947/48 foi instalado aí o Estado de Israel. 16

A ocupação, explica Jon Rothschild, se deu em base a três pilares do movimento sionista: kibush hakarka (conquista da terra), kibush haavoda (conquista do trabalho) e t’ozteret haaretz (produto da terra)17. “Detrás dessas sonoras palavras havia uma dura realidade. Conquista da terra significava que toda a terra possível fosse adquirida (legalmente ou não) dos árabes, e que nenhuma terra de judeus fosse vendida ou de alguma maneira retornasse aos árabes. Conquista do trabalho significava que nas fábricas e terras de judeus dava-se preferência aos trabalhadores judeus. O trabalhador árabe era boicotado. De fato, a Histadrut, que hoje se diz a Central Operária em Israel, foi criada para impor o boicote aos trabalhadores árabes. Produto da terra significava praticar o boicote à produção árabe por parte dos colonizadores judeus, e manter somente a compra de produtos das terras ou negócios judeus”.18

Essa política de ocupação – da qual os sionistas faziam propaganda dizendo que era uma política “socialista”, que visava ajudar os trabalhadores e pobres judeus – significou a desgraça para o povo palestino, porque foi imposta sobre a terra que eles ocupavam. Apesar de serem minoria no início (depois cresceram muito), os sionistas tinham um poder econômico muito maior que os árabes, além de contar com o apoio do imperialismo. Isso lhes deu força para cair arrasando o povo árabe da Palestina, que ficaram reduzidos a trabalhadores sem trabalho e camponeses sem terra. Muito estranho esse tipo de socialismo, que ataca os trabalhadores. “O árabes eram expulsos ou boicotados nas empresas de propriedade sionista ou de capital estrangeiro (concessões), que geralmente eram administradas por gerentes sionistas. Cerca de 53% das empresas eram concessões e 40% de propriedade sionista, sendo que apenas 6% eram de propriedade de árabes (dados de 1939). Assim, ficava um mercado de trabalho super-reduzido para os trabalhadores árabes.

Outro tanto ocorria com o t’ozteret haaretz (produto da terra), uma política que significava o boicote à força, praticado por bandos armados da Histadrut, de todo produto árabe, uma repressão que não poupava nem mesmo os judeus que ousassem adquirir algum alimento produzido por mãos árabes.

Alijados da terra, do trabalho e da possibilidade de comercializar seus produtos, os palestinos se tornaram uma massa marginalizada e pronta para ser expulsa de suas terras. A resistência palestina, em forma de guerrilha, é praticamente esmagada em 1939 pelo Exército Britânico e a Haganá, o exército extra-oficial formado pelo sionismo, num ataque conjunto para mostrar “quem manda na Palestina”. Nessa época, tinha início a Segunda Guerra Mundial e os sionistas estavam preocupados com o destino da Inglaterra, seu imperialismo protetor, diante de uma nova repartição do mundo em zonas de influência. Queriam garantir para a Palestina a proteção imperialista, já que tudo indicava que os EUA e não mais a Inglaterra seriam daí em diante o grande senhor do mundo. A suposta luta antiimperialista alardeada pelo sionismo era, simplesmente, o desejo de passar de um sócio menos forte para outro mais poderoso. Isso foi expresso com clareza por Ben Gurion:

“Nossa maior preocupação era a sorte que seria reservada à Palestina depois da guerra. Já estava claro que os ingleses não conservariam seu Mandato. Se se tinha todas as razões para crer que Hitler seria vencido, era evidente que a Grã Bretanha, mesmo vitoriosa, sairia muito debilitada do conflito. Por isso, eu não tinha dúvidas de que o centro de gravidade de nossas forças deveria passar do Reino Unido para a América do Norte, que estava em vias de assumir o primeiro lugar no mundo”. 19

Sob a órbita norte-americana, o sionismo começou a dar passos largos em direção à criação do Estado de Israel. Ao final da guerra, as grandes potências, através da ONU, não só fizeram vistas grossas à ocupação e massacre do povo palestino, como deram o status legal à situação colonial criada durante a dominação britânica. Em base a uma proposta de partilha da Palestina feita durante o Mandato inglês20 e que incendiou a revolta em todo o mundo árabe, em 29 de novembro de 1947 vota-se a divisão do país em dois estados: um sionista e outro árabe. Novamente, sem qualquer consulta ao povo palestino e com o aval da burocracia soviética, que enviou armas e aviões para ajudar o imperialismo a massacrar os árabes. Afogada em um banho de sangue a resistência palestina, é proclamado o Estado de Israel, em maio de 1948.

Israel: a tragédia palestina

Em 1947 havia 630 mil judeus e um milhão e trezentos mil árabes palestinos21. Assim, no momento em que as Nações Unidas dividem a Palestina, os judeus eram minoria (31% da população). Essa divisão, promovida pelas principais potências imperialista com o apoio de Stalin, deu 54% da terra fértil ao movimento sionista. Mas, antes de que se formasse o Estado de Israel, o Irgun e as Haganah (organizações paramilitares israelenses) já haviam se apoderado das três quartas partes da terra e expulsado seus habitantes. Assim, dos 475 povoados palestinos que havia em 1948, 385 foram completamente arrasados, reduzidos a cinzas e os 90 que ficaram tiveram suas terras confiscadas. Esse processo ficou conhecido como a “judaização” da Palestina.

Raphael Eitan, então chefe do Estado Maior das Forças Armadas israelenses, não podia ser mais claro quando disse que “Declaramos abertamente que os árabes não têm qualquer direito a um só centímetro de Eretz Israel. Os de bom coração, os moderados, devem saber que as câmaras de gás de Adolf Hitler serão como brincadeira de criança. O único que entendem e entenderão é a força. Utilizaremos a força mais decisiva, até que os palestinos se aproximem de nós de joelhos”.22

David Ben Gurion, em um discurso pronunciado em 13 de outubro de 1936, formulava assim a estratégia sionista: “Quando nos tornemos uma força com peso depois da criação do estado, aboliremos a partição e nos expandiremos a toda Palestina. O estado será somente uma etapa na realização do sionismo, e sua tarefa é preparar o terreno para nossa expansão. O estado terá que preservar a ordem, não com palavras, mas com metralhadoras”.23

E, de fato, assim foi feito. Entre 29 de novembro de 1947, data da divisão da Palestina pela ONU e 15 de maio de 1948, quando foi formalmente proclamado o Estado de Israel, o exército sionista e as milícias paramilitares se apoderaram de 75% da Palestina, expulsando do país 780 mil árabes. Os que ficaram foram vítimas de perseguições selvagens e uma carnificina só comparada ao holocausto nazista.

Assim começou a tragédia palestina que dura até hoje.


Roubo, puro e simples, das terras e dos negócios dos árabes

É preciso entender o alcance e as conseqüências dessa política assassina por parte do sionismo. No território ocupado por Israel depois da partilha havia 950 mil árabes palestinos, vivendo em cerca de 500 povoados e em todas as grandes cidades, entre elas Tiberíades, Safed, Nasaré, Shafa Amr, Acre, Haifa, Yaffa, Lidda, Ramle, Jerusalém, Majdal (Ashquelon), Isdud (Ashdod) e Beersheba. Em menos de seis meses sobraram apenas 138 mil pessoas. A grande maioria dos palestinos haviam sido assassinados, expulsos pela força ou fugido aterrorizados diante dos bandos assassinos das unidades do exército israelense.

Em discurso pronunciado para uma platéia de estudantes do Instituto de Tecnologia de Israel, Moshe Dayan, herói da “guerra dos seis dias”, não se preocupou em esconder o fato de que Israel fora fundada sobre uma tenebrosa falsificação histórica: “Viemos aqui, a um país que estava povoado por árabes, e estamos construindo aqui um estado hebreu, judeu. No lugar dos povoados árabes levantamos povoados judeus. Vocês nem sequer sabem os nomes desses povoados, e não os reprovo por isso, porque esses livros de geografia já não existem. Nem os livros, nem os povos existem mais. Nahalal surgiu no lugar ocupado antes por Mahalul, Gevat no lugar de Jibta, Sarid no lugar de Hanifas e Kafr Yehoushu’a no lugar de Tel Shamam. Não há um só assentamento que não tenha sido construído no lugar que um antigo povoado árabe”.24

Com isso, grandes extensões de terra foram confiscadas ao amparo da Lei de Propriedades de Ausentes, ditada em 1950 em Israel. Até 1947, os judeus possuíam 6% da terra da Palestina. Quando surge formalmente o Estado de Israel, o Fundo Nacional Judeu calcula que tenha se apoderado de 90% da terra. O valor das propriedades roubadas aos árabes era superior a 300 milhões de dólares, em cálculos da época. Se multiplicamos essa cifra pelo valor atual do dólar, cai a máscara: Israel tem pouco a ver com Jeová ou a terra santa, e muito a ver com a pirataria e a pilhagem.

A ocupação das propriedades palestinas era indispensável para que o Estado de Israel fosse viável. Entre 1948 e 1953 foram criados 370 povoados e assentamentos judeus, sendo 350 deles em propriedades de “ausentes”. Em 1954, calculava-se que 35% dos judeus de Israel viviam em propriedades confiscadas de “ausentes” e 250 mil novos imigrantes se haviam estabelecido em áreas urbanas das quais os palestinos haviam sido expulsos.

Dez mil empresas e comércios foram entregues a colonos judeus. Se na zona urbana, o saque foi generalizado, no campo a usurpação corria solta. Todas as plantações de limão dos palestinos foram confiscadas; cobriam mais de 240 mil dunums (correspondentes a 21.200 hectares). Até 1951, um milhão de caixas de limões colhidos de propriedades arrebatadas dos árabes – o que correspondia a 10% de todas as divisas de exportação – estavam em mãos israelenses. Nesse mesmo ano, 95% das plantações de oliveiras de Israel eram feitas em terra palestina ocupada. As azeitonas que produziam representavam o terceiro produto mais exportado por Israel, depois dos limões e dos diamantes. Um terço da produção de pedra provinha de 52 pedreiras palestinas usurpadas. As terras confiscadas dos árabes iam parar num Fundo Nacional Judeu, criado em 1954 pelo governo israelense.

Como lembra Schoenman, a mitologia sionista pretende passar a idéia de que o espírito de sacrifício, de abnegação no trabalho e de perícia dos judeus transformaram a terra desértica, descuidada por seus anteriores guardiães árabes – nômades e primitivos – fazendo florescer o deserto. As plantações palestinas, a indústria, a madeira, as fábricas, casas e fazendas foram espoliadas e saqueadas depois de uma conquista sangrenta: “o barco do estado é um barco pirata, a bandeira que carrega é a caveira com dois ossos cruzados.”25


Racismo contra o trabalhador árabe

Mas Israel não é só isso. A sua é uma história que começou com uma grande espoliação e isso obrigou o país a continuá-la, mais e mais. O barco da espoliação nunca encontrou um porto seguro. Essa viagem macabra continuou em frente, espoliando também o mercado de trabalho dos árabes, tanto no campo quanto nas cidades. Esse processo de judaização do trabalho se assentou em uma ideologia racista contra o trabalhador árabe.

No campo, qualquer relação do homem com a terra era regida por uma lei racista: “O arrendatário deve ser judeu e tem de aceitar realizar todas as atividades relacionadas com o cultivo da terra somente com mão-de-obra judia”. 26 Portanto, a terra não pode ser arrendada por um não-judeu, nem subarrendada, vendida, hipotecada, dada ou cedida a um não-judeu. Os não-judeus não podem ser empregados na terra e nem em qualquer trabalho relacionado com o cultivo.

Em Israel, as terras estatais, que estão nas mãos do Fundo Nacional Judeu, são consideradas “terra nacional”, o que significa terra judia. A contratação de trabalhadores não-judeus é ilegal. Devido a escassez de operários agrícolas judeus, e dado que os palestinos ganham um salário menor que os trabalhadores judeus, alguns agricultores judeus (como Ariel Sharon) contratam mão-de-obra árabe, violando explicitamente a lei.

Schoenman ressalta que Israel emprega todas as expressões normais em um sentido racista. O “povo” significa somente os judeus. Um “imigrante” ou um “colono” só pode ser um judeu. Um assentamento significa um assentamento só para judeus. A terra nacional significa terra judia, não terra israelense.27 Dessa maneira, a lei e os direitos, as garantias e o direito ao trabalho ou à propriedade correspondem somente aos judeus. A cidadania ou nacionalidade israelense corresponde estritamente aos judeus em todas as aplicações específicas de seu significa e jurisdição. Como a definição de judeu se baseia inteiramente num preceito religioso ortodoxo, gerações de ascendência materna judia é o pré-requisito para gozar do direito de propriedade, de emprego e de proteção legal. Atualmente, 93% da terra do chamado Estado de Israel é administrada pelo Fundo Nacional Judeu, sendo que para ter o direito a viver na terra, arrendá-la ou trabalhar nela, a pessoa tem de demonstrar que tem pelo menos três gerações de ascendência materna judia.

O sionismo, o fascismo e os judeus

Se é importante que a história oficial comece a reconhecer que a Palestina não era uma terra sem povo, é preciso também esclarecer outro aspecto tão sórdido quanto esse que envolve a criação do Estado de Israel. Trata-se da relação do sionismo com os próprios judeus e com o nazi-fascismo.

O caráter racista do movimento sionista tem sua face mais abominável na relação que sempre manteve com os próprios judeus. Ralph Schoenman lembra que “os fundadores do sionismo estavam desesperados por combater o anti-semitismo e, paradoxalmente, consideravam os próprios anti-semitas como aliados, porque compartiam o desejo de arrancar os judeus dos países em que viviam. Passo a passo, assimilaram os valores do ódio aos judeus e o anti-semitismo, chegando, o movimento sionista, a olhar os próprios anti-semitas como seus mais fiéis padrinhos e protetores”.28 Ele cita inclusive uma carta que Theodor Herzl enviou ao Conde Von Plehve, autor dos piores pogroms na Rússia – os pogroms de Kishinev – com a seguinte proposta: “Ajude-me a conseguir o quanto antes a terra (Palestina) e a revolta (contra a dominação zarista) acabará. Von Plehve concordou e começou a financiar o movimento sionista

Trata-se, na verdade, de um pedido de colaboração entre a burguesia sionista e as classes dominantes de outros países para combater os judeus de esquerda, que se incorporavam aos partidos revolucionários. Nesse sentido, o sionismo, em sua colaboração com o fascismo, cumpriu um papel sórdido, pois jogava com os sentimentos religiosos dos judeus para massacrar os que fossem de esquerda. O movimento juvenil sionista Betar serviu de bucha de canhão para Mussolini formando esquadrões com camisas negras. Quando Menajem Beguin se tornou chefe do Betar, trocou suas camisas negras pelas beges, como usavam os bandos de Hitler; era o uniforme que Beguin e os membros do Betar usavam em todas as assembléias e concentrações.

A estratégia do sionismo foi recrutar os europeus que odiavam os judeus e alinhar-se com os movimentos e regimes mais perversos, para que apoiassem a criação de uma colônia sionista na Palestina. E essa estratégia incluiu o nazismo. A Federação Sionista da Alemanha enviou um memorando de apoio ao Partido Nazista em 21 de junho de 1933. Dizia: “... um renascimento da vida nacional como o que ocorre na vida alemã... deve ocorrer também no grupo nacional judeu. Sobre as base de um novo estado (nazi) que estabeleceu o princípio da raça, desejamos enquadrar nossa comunidade na estrutura de conjunto de maneira que também para nós, na esfera a nós designada, possa desenvolver uma atividade frutífera pela Pátria...”.29

Longe de repudiar essa política, o Congresso da Organização Sionista Mundial, de 1933, derrotou por 240 votos contra 43 uma resolução que chamava a atuar contra Hitler. Durante esse mesmo congresso, Hitler anunciou um acordo comercial com o Banco Anglopalestino da Organização Sionista Mundial (OSM), que significava o rompimento do boicote judeu ao regime nazista em um momento em que a economia alemã era extremamente crítica. A OSM rompeu o boicote judeu e se tornou a principal distribuidora de produtos nazis em todo o Oriente Médio e Norte da Europa. Fundaram na Palestina o Ha’avara, banco destinado a receber dinheiro da burguesia judia-alemã, com o qual se adquiriu grande quantidade de produtos nazis.


Traindo a Resistência

Um dos reflexos mais sórdidos dessa política foi a ação do sionismo em relação à resistência judaica contra os massacres de judeus na Europa. Em julho de 1944, o dirigente judeu eslovaco, rabino Dov Michael Weissmandel, escreveu aos funcionários sionistas encarregados das “organizações de resgate”, propondo uma série de medidas para salvar os judeus de Auschwitz. Ofereceu mapas exatos das ferrovias e planejou o bombardeio das linhas que levavam aos crematórios. Pediu que bombardeassem os fornos de Auschwitz, que lançassem de pára-quedas munição para 80 mil presos e bombas para explodir o campo e pôr fim à cremação de 13 mil judeus por dia.

Caso os aliados se recusassem a colaborar, Weissmandel propunha que os sionistas, que dispunham de fundos e organização, comprassem aviões, recrutassem voluntários e fizessem a operação.

Weissmandel não era o único a pedir isso. No final dos anos 40 e durante os anos 40, porta-vozes judeus da Europa pediram socorro, campanhas públicas, resistência organizada, manifestações para obrigar os governos aliados a colaborar. Mas sempre se deparavam com o silêncio sionista ou mesmo com sua sabotagem ativa.

O rabino Weissmandel, em julho de 1944, um ano antes de terminar a guerra, enviou aos sionistas uma carta de protesto, publicada em parte em História Oculta do Sionismo, de Schoenman: “Por que não fizeram nada até agora? Quem é o culpado por esta terrível negligência? Não são vocês os culpados, irmãos judeus, que têm a maior sorte do mundo, a liberdade? Enviamos a vocês esta mensagem especial: informamos que ontem os alemães iniciaram a deportação de judeus da Hungria. Os que foram para Auschwitz serão mortos com gás cianido. Essa é a ordem do dia de Auschwitz desde ontem: A cada dia serão asfixiados doze mil judeus – homens, mulheres e crianças, anciãos, crianças de peito, doentes ou não.

E vocês, nossos irmãos aí na Palestina, e de todos os países livres, e vocês, ministros de todos os reinos, por que mantêm silêncio diante desse grande assassinato? Silenciam enquanto assassinam milhares, já são seis milhões de judeus? Silenciam agora, quando dezenas de milhares estão sendo assassinados ou esperam na fila da morte? Seus corações destroçados pedem socorro, choram por vossa crueldade.

São brutais, vocês também são assassinos, pelo sangue frio do silêncio com que olham, porque estão sentados com os braços cruzados sem fazer nada, apesar de que nesse mesmo instante poderiam deter ou postergar o assassinato de judeus.

Vocês, nossos irmãos, filhos de Israel, estão loucos? Não sabem o inferno que nos rodeia? Para quem guardam seu dinheiro? Assassinos! Loucos! Quem faz caridade aqui, vocês, que soltam uns centavos daí, de suas casas seguras, ou nós, que entregamos nosso sangue neste inferno?”

Nenhum dirigente sionista apoiou esta petição, nem os governos ocidentais bombardearam um único campo de concentração.

A colaboração entre o sionismo e o fascismo fez com que o primeiro traísse a resistência e voltasse as costas para o operativo que resultou na morte de pelo menos 6 milhões de judeus. Hoje, quando se lembra mais um aniversário do holocausto, é preciso dizer com toda clareza que o sionismo não lutou de fato para impedi-lo. E, mesmo assim, o utiliza como álibi para massacrar os palestinos. Algo tão indignante que a jornalista israelense Amira Hass, do jornal Haaretz, chegou a exortar os sobreviventes do Holocausto e seus descendentes a não interpretarem o assassinato de seu povo e o de suas famílias na Europa como um eterno aval para suprimir e expropriar o povo palestino e para apresentá-lo como o inimigo que substituiu os alemães 30.

De fato. Está na hora de Israel deixar de usar o holocausto como justificativa para oprimir e perseguir os palestinos, fazendo com eles o mesmo que os alemães fizeram com os judeus.

NOTAS

1 Frase do livro de Dov Barnir, Os Judeus, O Sionismo e o Progresso, p.486, citada em Revista de América, n.12.

2 A entrevista com Tom Segev está na edição da Folha de S. Paulo de 4 de fevereiro de 2001.

3 A Questão Judia.

4 Abraham León foi um dos máximos dirigentes do sionismo de esquerda europeu até as vésperas da Segunda Guerra mundial. Escreveu A Questão Judia, um dos mais importantes estudos marxistas sobre o tema. León, que chegou a romper totalmente com o sionismo e ingressar nas fileiras da IV Internacional, foi assassinado no campo de concentração de Auschwitz pelas tropas nazistas.

5 Em 1917, o Bund apoiou Kerensky contra Lenin e Trotsky e, até a II Guerra Mundial, manteve grande força na Polônia.

6O termo sionismo deriva da palavra Sion (Tzion, em hebraico), que é o nome de um monte em Jerusalém. Na Bíblia, esse nome era usado tanto para designar a Terra de Israel como “sua capital nacional e espiritual”, Jerusalém. Ao longo de toda a história judaica, Sion foi sinônimo de Israel, e a expressão “retorno a Sion” a bandeira do movimento sionista.

7 A Questão Judia, p.150.

8 Idem, p. 151.

9 Idem, p.151.

10 Idem, p.152.

11 Em Le Materialisme et la Question nationale, ditado por A León, in op.cit. p.152.

12 A Questão Judia, p. 154.

13 Idem, p.154.

14 Dov Barnir, “Os Judeus, o Sionismo e o Progresso”, Inova, Portugal, 1968.

15 Ephraim Tari, O Significado de Israel.

16 Revista de América, p.16.

17 Jon Rothscild, “How the Arabs Were Driven Out of Palestine”, citado em Revista de América nº 12.

18 Idem.

19 Michael Bar-Zohar, em The Armed Prophet: A Biography of Ben Gurion. Citado por Revista de América, p.24.

20 Proposta da Comissão Peel, de 1937, aceita por Ben Gurión.

21 Em 1917 havia na Palestina 56 mil judeus e 644 mil árabes palestinos. Em 1922 havia 83.794 judeus e 663 mil árabes. Em 1931 havia 174.616 judeus e 750 mil árabes. (Schoenman, p.34)

22 Citado por Schoenman, p.40.

23 Citado por Schoenman, p.41.

24 Citado por Schoenman, p. 48,

25 História Oculta do Sionismo, p. 50.

26 Citado por Schoenman, p. 50.

27 História Oculta do Sionismo, p.51.

28 Idem, p.53.

29 Citado em História Oculta do Sionismo, p.54.

30 Publicado pelo Jornal do Brasil de 22/4/01.

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