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Burgueses e proletários[i] - Marx e Engels



Trecho do Manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels, disponível em: http://www.marxists.org/portugues/marx/index.htm

A história de toda sociedade[ii] existente até hoje tem sido a história das lutas de classes.

Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre de corporação e aprendiz, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou pela transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em luta.

Nas primeiras épocas históricas, verificamos, quase por toda parte, uma completa divisão da sociedade em classes distintas, uma escala graduada de condições sociais. Na Roma antiga encontramos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média, senhores, vassalos, mestres, aprendizes, servos; e, em cada uma destas classes, outras camadas subordinadas.

A sociedade burguesa moderna, que brotou das ruí­nas da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe. Não fez senão substituir por novas classes, novas condições de opressão, novas formas de luta, as que existiram no passado.

Entretanto, a nossa época, a época da burguesia, caracteriza-se por ter simplificado os antagonismos de classe. A sociedade divide-se cada vez mais em dois campos hostis, em duas grandes classes que se defrontam: a burguesia e o proletariado.

Dos servos da Idade Média nasceram os burgueses livres das primeiras cidades; desta população municipal, saíram os primeiros elementos da burguesia.

A descoberta da América e a circunavegação da África ofereceram à burguesia em ascensão um novo campo de ação. Os mercados da Índia e da China, a colonização da América, o comércio colonial, o incremento dos meios de troca e, em geral, das mercadorias imprimiram um impulso, desconhecido até então, ao comércio, à indústria, à navegação, e, por conseguinte, desenvolveram rapidamente o elemento revolucionário da sociedade feudal em decomposição.

A antiga organização feudal da indústria, em que esta era circunscrita a corporações fechadas, já não podia satisfazer as necessidades que cresciam com a abertura de novos mercados. A manufatura a substituiu. A pequena burguesia industrial suplantou os mestres das corporações; a divisão do trabalho entre as diferentes corporações desapareceu diante da divisão do trabalho dentro da própria oficina.

Todavia, os mercados ampliavam-se cada vez mais: a procura de mercadorias aumentava sempre. A própria manufatura tornou-se insuficiente; então, o vapor e a maquinaria revolucionaram a produção industrial. A grande indústria moderna suplantou a manufatura; a média burguesia manufatureira cedeu lugar aos milionários da indústria, aos chefes de verdadeiros exércitos industriais, os burgueses modernos.

A grande indústria criou o mercado mundial preparado pela descoberta da América: o mercado mundial acelerou prodigiosamente o desenvolvimento do comércio, da navegação e dos meios de comunicação pôr terra. Este desenvolvimento reagiu por sua vez sobre a extensão da indústria; e, à medida que a indústria, o comércio, a navegação, as vias férreas se desenvolviam, crescia a burguesia, multiplicando seus capitais e relegando a segundo plano as classes legadas pela Idade Média.

Vemos, pois, que a própria burguesia moderna é o produto de um longo processo de desenvolvimento, de uma série de revoluções no modo de produção e de troca.



(...)



Na mesma proporção em que a burguesia, ou seja, o capital, se desenvolve, desenvolve-se também o proletariado, a classe dos trabalhadores modernos, que só podem viver se encontrarem trabalho, e só encontram trabalho na medida em que este aumenta o capital. Esses trabalhadores, que são obrigados a vender-se diariamente, são uma mercadoria, um artigo de comércio, sujeitos, portanto, aos altos e baixos da concorrência, às flutuações do mercado.

Devido ao uso intensivo da máquina e à divisão do trabalho, o trabalho proletário perdeu seu caráter individual e, por conseguinte, todo o seu atrativo. O produtor tornou-se um apêndice da máquina, que só requer dele a operação mais simples, mais monótona e mais fácil de aprender. Desse modo, o custo da produção de um operário se reduz, quase completamente, aos meios de subsistência que ele necessita para viver e para perpetuar a raça. Mas o preço de uma mercadoria e portanto o do trabalho, equivale ao seu custo de produção. Logo, à medida que aumenta o caráter enfadonho do trabalho, o salário diminui. Ainda mais, à medida que se desenvolve o maquinismo e a divisão do trabalho, cresce a quantidade de trabalho, seja pela prolongação das horas de trabalho, seja pelo incremento do trabalho exigido em um certo tempo, seja pela aceleração do movimento das máquinas etc.

A indústria moderna transformou a pequena oficina do antigo mestre de corporação na grande fábrica do capitalista industrial. Massas de operários, aglomerados nas fábricas, são organizadas como soldados. Como membros do exército industrial estão subordinados à perfeita hierarquia de oficiais e suboficiais. Não são escravos exclusivos da classe e do Estado burgueses, mas diariamente e a cada hora são escravos da máquina, do contramestre e, sobretudo, do próprio dono da fábrica. Esse despotismo é tanto mais mesquinho, mais odioso e mais exasperador quanto maior é a franqueza com que proclame ter no lucro seu objetivo e seu fim.

O trabalho dos homens é tanto mais suplantado pelo das mulheres quanto menores são a habilidade e a força exigidas pelo trabalho manual, ou, em outras palavras, quanto mais se desenvolve a indústria moderna. As diferenças de idade e de sexo não têm importância social para a classe operária. Todos são instrumentos de trabalho, cujo preço varia segundo a idade e o sexo.

Depois de sofrer a exploração do fabricante e de receber o seu salário, o trabalhador torna-se presa fácil de outros membros da burguesia, do proprietário, do varejista, do usuário etc.

As camadas inferiores da classe média — os pequenos industriais, pequenos comerciantes e pessoas que possuem rendas, artesãos e camponeses — caem, pouco a pouco, no proletariado, em parte devido ao seu capital diminuto que não está à altura da indústria moderna, sucumbindo na concorrência, em parte porque sua habilidade profissional é desvalorizada pelos novos métodos de produção. Assim, o proletariado é recrutado em todas as classes da população.



(...)



O proletariado passa por diferentes fases de desenvolvimento. Logo que nasce começa sua luta contra a burguesia.

A princípio, empenham-se na luta operários isolados, mais tarde, operários de uma mesma fábrica, finalmente operários do mesmo ramo de indústria, de uma mesma localidade, contra o burguês que os explora diretamente. Não se limitam a atacar as relações burguesas de produção, atacam os instrumentos de produção: destroem as mercadorias estrangeiras que lhes fazem concorrência, quebram as máquinas, queimam as fábricas e esforçam-se para reconquistar a posição perdida do artesão da Idade Média.

Nessa fase, o proletariado constitui-se de uma massa disseminada ­pôr todo o país e dispersa pela concorrência. Se, pôr vezes, os operários se unem para agir em massa compacta, isto não é ainda o resultado de sua própria união, mas da união da burguesia que, para atingir seus próprios fins políticos, é levada a pôr em movimento todo o proletariado, o que ainda pode fazer provisoriamente. Durante essa fase, os proletários não combatem ainda seus próprios inimigos, mas os inimigos de seus inimigos, isto é, os restos da monarquia absoluta, os proprietários territoriais, os burgueses não industriais, os pequenos burgueses.

Todo o movimento histórico está desse modo concentrado nas mãos da burguesia e qualquer vitória alcançada nessas condições é uma vitória burguesa.

Ora, a indústria, desenvolvendo-se, não somente aumenta o número dos proletários, mas concentra-os em massas cada vez mais consideráveis; sua força cresce e eles adquirem maior consciência dela. Os interesses, as condições de existência dos proletários se igualam cada vez mais, à medida que a máquina extingue toda diferença do trabalho e quase por toda parte reduz o salário a um nível igualmente baixo. Em virtude da concorrência crescente dos burgueses entre si e devido às crises comerciais que disso resultam, os salários se tornam cada vez mais instáveis; o aperfeiçoamento constante e cada vez mais rápido das máquinas torna a condição de vida do operário cada vez mais precária; os choques individuais entre o operário e o burguês tomam cada vez mais o caráter de choques entre duas classes. Os operários começam a formar uniões contra os burgueses e atuam em comum na defesa de seus salários; chegam a fundar associações permanentes a fim de se prepararem, na previsão daqueles choques eventuais. Aqui e ali a luta se transforma em motim.

Os operários triunfam às vezes; mas é um triunfo efêmero. O verdadeiro resultado de suas lutas não é o êxito imediato, mas a união cada vez mais ampla dos trabalhadores. Esta união é facilitada pelo crescimento dos meios de comunicação criados pela grande indústria e que permitem o contato entre operários de localidades diferentes. Ora, basta esse contato para concentrar as numerosas lutas locais, que têm o mesmo caráter em toda parte, em uma luta nacional, em uma luta de classes. Mas toda luta de classes é uma luta política. E a união que os habitantes das cidades da Idade Média levavam séculos a realizar, com seus caminhos vicinais, os proletários modernos realizam em alguns anos por meio das vias férreas.

A organização do proletariado em classe e, portanto, em partido político, é incessantemente destruída pela concorrência que fazem entre si os próprios operários. Mas renasce sempre, e cada vez mais forte, mais firme, mais poderosa. Aproveita-se das divisões internas da burguesia para obrigá-la ao reconhecimento legal de certos interesses da classe operária, como, pôr exemplo, a lei da jornada de dez horas de trabalho na Inglaterra.



(...)



De todas as classes que hoje se defrontam com a burguesia, apenas o proletariado é uma classe realmente revolucionária. As outras classes decaem e por fim desaparecem com o desenvolvimento da indústria moderna, mas o proletariado é seu produto mais autêntico.

As classes médias inferiores, os pequenos industriais, os pequenos fabricantes, os artesãos, os camponeses, todos lutam contra a burguesia para garantir sua existência como parte da classe média. Portanto, não são revolucionárias, mas conservadoras e, mais ainda, reacionárias, pois procuram fazer retroceder a roda da História. Se por acaso tornam-se revolucionárias é em conseqüência de sua iminente transferência para o proletariado; não defendem, pois, os seus interesses atuais, mas os futuros, abandonando seu próprio ponto de vista pelo do proletariado.

O lumpenproletariado, a escória da sociedade, esse produto passivo das camadas mais baixas da velha sociedade, pode, às vezes, ser arrastado ao movimento por uma revolução proletária; no entanto, suas próprias condições de existência o dispõem mais a vender-se à reação.

Nas condições de existência do proletariado já estão destruídas as condições da antiga sociedade. O proletário não tem propriedade; suas relações com sua mulher e seus filhos não tem nada em comum com a família burguesa; o trabalho industrial moderno, a sujeição ao capital, tanto na Inglaterra quanto na França, tanto na América quanto na Alemanha, despojaram-no de todos os traços de caráter nacional. A lei, a moral, a religião são para ele preconceitos burgueses, atrás dos quais se ocultam outros tantos interesses burgueses.

Todas as classes que anteriormente conquistaram o poder procuraram fortalecer o seu status subordinado toda a sociedade às suas condições de apropriação. Os proletários não podem apoderar-se das forças produtivas sem abolir a forma de apropriação que lhes era própria e, portanto, toda e qualquer forma de apropriação. Nada têm de seu a salvaguardar; sua missão é destruir todas as garantias e seguranças da propriedade individual.

Todos os movimentos históricos precedentes foram movimentos minoritários, ou em proveito de minorias. O movimento proletário é o movimento consciente e independente da imensa maioria, em proveito da imensa maioria. O proletariado, a camada inferior da nossa sociedade, não pode erguer-se, pôr-se de pé, sem fazer saltar todos os estratos superpostos que constituem a sociedade oficial.

No princípio, a luta do proletariado com a burguesia tem o caráter de uma luta nacional, não em sua essência, mas em sua forma. É claro que o proletariado de cada país deve primeiramente ajustar as contas com sua própria burguesia.

Esboçando em linhas gerais as fases do desenvolvimento do proletariado, descrevemos a guerra civil mais ou menos oculta, existente na sociedade atual, até a hora em que essa guerra explode numa revolução aberta e a derrubada violenta da burguesia estabelece a dominação do proletariado.

Até agora todas as sociedades se basearam, como vimos, no antagonismo entre as classes opressoras e as oprimidas. Mas para oprimir uma classe é preciso que lhe sejam asseguradas ao menos condições tais que lhe permitam uma existência de escravo. O servo, durante a servidão, conseguia tornar-se membro da comuna, assim como o pequeno burguês, sob o jugo do absolutismo feudal, conseguiu elevar-se à categoria de burguês. O operário moderno, ao contrário, em vez de elevar sua posição com o progresso da indústria, desce cada vez mais abaixo das condições de existência de sua própria classe. Cai no pauperismo que cresce ainda mais rapidamente do que a população e a riqueza. Torna-se, então, evidente que a burguesia é incapaz de continuar sendo a classe dominante da sociedade, impondo como lei suprema suas próprias condições de existência. É incapaz de exercer seu domínio porque não pode mais assegurar a existência de seu escravo em sua escravidão, porque é obrigada a deixá-lo cair num estado tal que deve nutri-lo em lugar de se fazer nutrir por ele. A sociedade não pode mais existir sob o domínio da burguesia, em outras palavras, a sua existência doravante é incompatível com a sociedade.

A condição essencial para a existência e o domínio da classe burguesa é a formação e o crescimento do capital; a condição de existência do capital é o trabalho assalariado. Este se baseia exclusivamente na concorrência entre os trabalhadores.

O progresso da indústria, cujo agente involuntário é a própria burguesia, substitui o isolamento dos operários, resultante de sua associação. O desenvolvimento da indústria moderna, portanto, abala a própria base sobre a qual a burguesia assentou seu regime de produção e de apropriação. O que a burguesia produz principalmente são seus próprios coveiros. Sua queda e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis.






[i] Por burguesia compreende-se a classe dos capitalistas mo­dernos, proprietários dos meios de produção social que empre­gam o trabalho assalariado. Por proletariado compreende-se a classe dos trabalhadores assalariados modernos, que privados de meios de produção próprios, são obrigados a vender sua for­ça de trabalho para sobreviverem. (Nota de F. Engels à edição inglesa de 1888).
[ii] Isto é, a história escrita. A pré-história, a história da organização social que precedeu toda a história escrita, era ainda, em 1847, quase desconhecida. Depois, Haxthausen descobriu a propriedade comum da terra na Rússia. Maurer demonstrou que esta constituía a base social de onde derivavam historicamente toda as tribos teutônicas e verificou-se pouco a pouco que a comu­nidade rural com posse coletiva da terra era a forma primitiva da sociedade, desde as Índias até a Irlanda. Finalmente, a or­ganização interna desta sociedade comunista primitiva foi des­vendada em sua forma típica pela descoberta decisiva de Mor­gan que revelou a natureza verdadeira da gens e de sua relação com a tribo. Com a dissolução dessas comunidades primitivas, começa a divisão da sociedade em classes diferentes e finalmente anta­gônicas. Procurei analisar esse processo na obra Der Ursprungg der Familie, des privateigentum und des Staats (A Origem da Família da Propriedade Privada e do Estado, 2º ed., Stuttgart, 1886. (Nota de F. Engels à edição inglesa de 1888)

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