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Nahuel Moreno - Um Grande Obstáculo: Nosso Sectarismo


Trecho do livro "Problemas de Organização", disponível em: http://www.marxists.org/portugues/moreno/1984/07/16.htm


Para avançar pelo caminho que nos propomos, temos um grande obstáculo: nosso sectarismo. Nosso partido nem sempre foi sectário. Fomos nos começos, quando éramos um grupo minúsculo, porém, tendo ido para a classe operária aprendemos e superamos o sectarismo. A partir de então, até a construção do PRT (La Verdad), tivemos outros desvios. Por exemplo, éramos obreiristas e não dávamos importância ao trabalho sobre o estudantado, limitando muitíssimo nossas possibilidades de ganhar intelectuais revolucionários para multiplicar a formação de quadros.



O sectarismo começa quando o partido torna-se grande, como o PST, que se nutre fundamentalmente da vanguarda estudantil que lutou contra Ongania e, depois, já com centenas e até milhares, com o que surge depois do Cordobazo e com as eleições de 1973. A partir de 1973 ou 1974 descobrimos uma lei infernal: quanto mais crescíamos mais sectários nos tornávamos.

Tínhamos lido marxistas prudentes que falavam da totalidade que era a social-democracia alemã, para explicar porque não se devia romper com ela ou havia muitos militantes que não queriam romper com ela. A social-democracia alemã era um micromundo, que obtinha milhões de votos, tinha teatros, clubes, sindicatos, bailes, bibliotecas, clubes de libertação sexual. Dentro dela havia respostas para quase todas as inquietações e necessidades que poderia ter uma pessoa. Aqui também o socialismo, o anarquismo e o estalinismo eram micromundos em suas épocas de esplendor. Tinham orfeões (quer dizer, conjuntos musicais e coros), além de clubes e bibliotecas.
Estes micromundos estão imersos no verdadeiro mundo, a sociedade capitalista, horrorosa, hostil. A vida dentro deles e muito mais linda que fora: parece que se conseguiu o socialismo agora. Forma-se uma tendência centrípeta: quer-se viver dentro do partido.
É uma tendência desgraçada: acreditar que já está solucionado tudo quando não se solucionou nada, já que a sociedade capitalista continua aí, vivinha e serpenteando, preparada para destruir com um bote o micromundo. Isto foi o que se passou com a social-democracia alemã: Hitler a destruiu, e seus clubes, bibliotecas e sindicatos.
Esta tendência surgiu entre nós quando fizemos um partido de vários milhares. Dentro do partido os companheiros encontravam um micromundo, uma ilhota socialista no oceano capitalista. Isto é parcialmente certo: temos uma moral diferente e relações humanas livres, solidárias e fraternais, diametralmente opostas às que se dão fora do partido. Se um moço e uma moça se gostam, podem relacionar-se franca e diretamente, sem passar por todos esses trâmites hipócritas que exige a pseudo-moral burguesa. Se há companheiros em greve ou sem trabalho, o partido e os militantes são solidários com eles...
Isto empurra para viver dentro do partido e não sair ao mundo "hostil", não fraternal. Começaram a gostar mais das reuniões do que da luta de classes. Usamos uma linguagem própria, que ninguém entende a não ser que tenha no mínimo vários meses de partido. É muito comum, por exemplo, que em reuniões onde há companheiros novinhos, digamos "estrutura" em vez de local de trabalho, estudo ou moradia. Preferimos uma festa do partido a uma beleza de baile de bairro operário. Preferimos conversar com companheiros do partido e não com operários de fora. E mil exemplos mais.
Pior, não somos a social-democracia alemã. Ser sectário de um partido de milhões de votos e dezenas de milhares de ativistas é grave, porém muito mais compreensível. Porém, ser sectários de um partido com uns poucos milhares e que, no entanto, não tem influência de massas, é uma tragédia. E cada vez que ganhávamos 500 militantes novos, havia um novo empurrão sectário. Em vez de continuar crescendo, nos púnhamos a viver para dentro e fazer dos 500 novos companheiros, 500 novos sectários.
O sectarismo manifesta-se, como já vimos antes, na forma administrativa de localizar e dar tarefas aos quadros e militantes. Não os localizamos considerando suas relações com a sociedade e a luta de classes, quer dizer, respondendo à pergunta: O que este companheiro pode fazer em sua fábrica, bairro ou colégio? Localizamo-lo em função do que supomos ser os objetivos votados pela direção: todos para piquetear fabricas, por exemplo.
Porém, isso também se expressa em nossas relações com os fenômenos e correntes políticas que ocorrem na sociedade. Por culpa desta tendência sectária não pudemos fazer um trabalho forte, intenso, sobre os milhares de novos dirigentes operários e estudantis, honestos e extraordinariamente combativos que se nucleavam na JTP, os Montoneros e o classismo na etapa anterior. Para nós, tudo o que não fosse do partido ou não nos desse razão de cara era um pequeno burguês, contra-revolucionário, nosso inimigo e da classe operária. São muito poucos os companheiros que podemos ganhar para nosso partido desses milhares de lutadores de vanguarda. Mais ainda, este balanço não deve ocultar-nos a razão decisiva do nosso fracasso: a arrasadora força do peronismo.
Esta tendência sectária volta a se manifestar agora, à medida que crescemos. Tem sido muito difícil fazer com que os companheiros tomem com entusiasmo o trabalho de ir ao PI, ao PC, Franja Morada. Não passa pela nossa cabeça que o partido socialista revolucionário que já tem alguma força, como nós, deva ter militantes em todas as outras organizações. E, se abrimos o diálogo com alguém de outra organização, desesperamo-nos para ganhá-lo rápida e individualmente, qualificando-o duramente se não conseguimos. Em vez de deixá-lo amadurecer, tratá-lo com respeito e respeitar seu próprio ritmo de desenvolvimento. Temos que combater esta tendência sectária. Se não a vencermos, o partido estanca e acaba retrocedendo.
A luta contra o sectarismo é impossível se não temos uma segurança e confiança absolutas em nossas posições e em nossa classe. Se nossas posições são corretas e se é certa a frase de Marx: "A libertação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores", temos que saber que a maioria dos companheiros dos outros partidos com que tratamos em nossa atividade diária, cedo ou tarde vão ser do nosso partido. Todo operário, todo assalariado, todo estudante plebeu ou com inquietações progressivas virá ou, no mínimo, pode vir para o nosso partido. Se não vier em um mês, será dentro de um ano, de dois, de três... No final do caminho vamos nos encontrar, por que o caminho é o nosso partido. É o que, no fundo, todos eles, com maior ou menor consciência, estão buscando e querem percorrer.
Não estamos falando dos velhos quadros esclerosados nos aparatos estalinistas ou sindicais, ou na imundície do aparato peronista ou radical. Esses já têm interesses próprios, que se medem na maioria dos casos, em pesos ou em dólares. Porém, sim, falamos daqueles que simpatizam com eles e são militantes ou quadros médios deles, porque acreditam honestamente que assim lutam contra o imperialismo e a oligarquia, ou pelas liberdades democráticas e contra os genocidas, ou pela melhoria
do nível de vida dos trabalhadores, ou inclusive, pelo socialismo. Alguns, inclusive, poderiam estar em nosso partido, porém não nos vêem como perspectiva porque somos pequenos, conseguimos poucos votos, não somos apoiados por nenhum Estado Operário...
Nosso partido tem tudo em comum com estes companheiros. Queremos a mesma coisa que eles. Não os consideramos nossos inimigos porque estão com outra organização (ou porque são antipartidos). Inimigos nossos, da classe operária e da revolução são seus partidos e dirigentes, não eles. Eles são nossos companheiros de luta.
Imaginemos um pequeno-burguês estalinista, cheio de inquietações. Está no PC porque acredita que é o melhor partido de esquerda, aquele que está mais à esquerda. Ou então já considera que não está tão à esquerda, porém acredita que é o único que pode conseguir resultados positivos. Ou está ali por que o PC é ó único que pode alcançar resultados positivos. Se temos confiança em nossa classe, em nossos companheiros de luta, para nós esse pequeno-burguês estalinista é formidável. É um firme candidato a militar conosco em nosso partido, uma vez que faça a experiência com o seu... Sempre e quando não formos sectários com ele.
O que discutiria um sectário? Que o estalinismo traiu a revolução espanhola, que o PC argentino foi sócio de Videla, que Victor Manuel III, rei da Itália, concedeu a ordem da Annunziata para Stalin, que Stalin traiu a revolução chinesa. Esse pequeno-burguês não sabe nem quem é Victor Manuel nem Chiang Kai Shek. Da guerra civil espanhola só conhece as canções. E sobre a política do PC frente a Videla não está convencido de que tenha sido assim, porque senão já teria rompido com ele.
Um não sectário começaria por ter relações políticas claras, porém fraternais e proporia a unidade de ação. Claridade: estamos totalmente em desacordo quanto à política de sua direção. Fraternidade: somos lutadores da classe operária e para mim você é um companheiro de luta. Unidade de ação: no que podemos trabalhar juntos? Façamos juntos alguma coisa pela Nicarágua? Apoiemos juntos uma greve? Lutemos juntos contra a expulsão desse seu companheiro secundarista que expulsaram da escola porque vendia "Qué Pasa"?
Se vamos como sectários, esse "pebê" nos julgará como um pedante, patife, que não o ganhamos para nada, que somos discutidores, que queremos ganhar discussões (o que seria verdade nesse caso). É um grave defeito. Nunca um socialista revolucionário dá a impressão de que quer ganhar a discussão. Sempre procura demonstrar que quer acordos práticos para fazer algo para que avance o movimento operário e de massas.
Porém, para fazer isso é preciso ter confiança nesse "pebê" estalinista. Dizer para nós mesmos: "Que beleza de pebê! Os estalinistas ganharam-no, mas eu vou ser mais hábil do que eles!". Não nos enojamos, não o trituramos na polêmica. Discutimos sim, permanentemente, porém sobre as propostas de ação comum. Cedo ou tarde o processo histórico vai a nosso favor e vai trazer o "pebê" estalinista para nossas fileiras.
Nem falemos quão terrível pode ser o sectarismo se, em vez de tratar-se de um militante, saímos a polemizar para ganhar a discussão com as centenas de milhares de operários de base peronista, as centenas de milhares de operários alfonsinistas, simpatizantes do PC ou do IMP com quem dialogamos em nossa atividade diária.

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