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NAHUEL MORENO - AS PALAVRAS DE ORDEM


O Partido e a revolução, Nahuel Moreno

Uma primeira classificação das palavras de ordem
Uma palavra de ordem é uma frase escrita ou dita que expressa a necessidade pela qual as massas se mobilizam em determinado momento. Os trabalhadores passam fome: a palavra de ordem é “aumento de salários!”. Só uma minoria pode votar: a palavra de ordem é “voto universal!”. Kerensky é incapaz de resolver os problemas de paz, pão e terra: a palavra de ordem é “Todo poder aos soviets!”.
Cada época histórica colocou ao movimento de massas necessidades novas que foram encaradas com novas palavras de ordem: ou melhor, lutando por novas soluções para novos problemas. Por isso, ao contrário da definição fenomenológica, por “níveis de consciência”, feita por Germain, o trotskismo classifica as palavras de ordem segundo as necessidades do movimento de massas que elas devem responder. Nossa classificação das palavras de ordem é, portanto, objetiva e histórica.
As palavras de ordem democráticas são aquelas que povo conquistou durante a época das revoluções democrático-burguesas: eleições, voto universal, formação e direito ao idioma nacional, escola para todos, liberdade de imprensa, reunião e associação, formação dos partidos políticos e, fundamentalmente, independência nacional e revolução agrária. A essa época histórica seguiu o início da época imperialista, quando a classe operária começou, a partir de 1890, a organizar os sindicatos e os partidos operários, e conquistou as oito horas, a legalidade de suas organizações, a limitação do trabalho noturno e outras reivindicações parciais. Estas são justamente as reivindicações mínimas ou parciais. Trotsky as define assim quando diz: “... a luta pelas reivindicações imediatas tem como tarefa melhorar a situação dos operários”.
Depois veio a época em que vivemos atualmente, da revolução socialista, transição do capitalismo ao socialismo. Durante esta etapa transitória, a classe operária no poder tomará um conjunto de medidas para garantir o nível de vida e trabalho da classe operária e dos setores explorados: escala móvel de salários e horas de trabalho, controle operário da produção, nacionalização total da indústria, comércio exterior e bancos, planificação da economia etc. São reivindicações superiores ao capitalismo, são já reivindicações socialistas. Trotsky dizia: “Penso que, no inicio, esta palavra de ordem (escala móvel de salários e horas de trabalho) será assumida. O que ela significa? Na verdade, é o sistema de trabalho na sociedade socialista. O número total de operários dividido pelo número total de horas de trabalho. Mas se apresentamos todo o sistema socialista, aparecerá como utópico ao americano médio, como algo que vem da Europa. Nós o apresentamos como uma solução à crise, para assegurar seu direito a comer, beber e viver decentemente. É o programa do socialismo, mas de forma muito popular e simples”.
Resumindo, podemos dizer que nosso programa abarca, tradicionalmente, três tipos de palavras de ordem: as democráticas (arrancadas por e para todo o povo na época de ascenso do capitalismo), as mínimas ou parciais (arrancadas por e para a classe operária no começo da época imperialista) e as transitórias (que respondem às novas necessidades do movimento de massas nesta etapa de decadência imperialista e transição ao socialismo). (...)

BUSCAR AS PALAVRAS DE ORDEM QUE MOBILIZAM
Mas o fato de que os quatro tipos de palavras de ordem se combinem em nossos programas e estejam todas colocadas de forma imediata não significa que qualquer combinação de palavras de ordem seja correta. Para descobrir a combinação adequada a cada situação concreta da luta de classes é preciso levar em conta dois fatores: o país (sua situação econômica e política) e a mobilização concreta em que vamos atuar. Nos países atrasados gravitam mais as palavras de ordem democráticas e mínimas, e nos adiantados têm mais peso as transitórias (com exceção daqueles onde ocorrem formas bonapartistas ou fascistas de governo, quando as mínimas e democráticas passam também a um primeiro plano). Agora vejamos o que nosso programa e nossas bandeiras têm a ver com as mobilizações concretas sobre as quais devemos atuar todos os dias.
Segundo o fenomenólogo Germain, é preciso dar importância fundamental às palavras de ordem transitórias, porque são as que “elevam o nível de consciência”. Segundo o trotskismo, é preciso utilizar a palavra de ordem ou combinação de palavras de ordem adequadas à mobilização concreta, para desenvolvê-la em direção à tomada do poder pela classe operária. Porque somente se colocadas no contexto da luta de classes as palavras de ordem ganham vida e, então, cada palavra de ordem pode ter conseqüências distintas às que lhe corresponderiam por sua localização histórica.
No desenvolvimento vivo da mobilização das massas, bandeiras mínimas podem ter conseqüências transitórias, e bandeiras transitórias podem ter conseqüências mínimas. Ou seja, de seu caráter histórico, de sua definição (portanto da necessidade do movimento de massas que elas expressavam no momento em que nasceram) não surgem para as palavras de ordem propriedades superiores à luta de classes.
A mobilização permanente da classe operária e das massas trabalhadoras é que dá significado às palavras de ordem. Existem inúmeros exemplos da contradição entre o caráter histórico das palavras de ordem e suas conseqüências quando aplicadas a uma mobilização concreta. Vejamos alguns: a bandeira de paz (ou a de pão) na Revolução Russa teve conseqüências transitórias, ou seja, serviu para mobilizar as massas para a tomada do poder e a revolução socialista, porque o imperialismo em crise não podia fazer essa concessão. Mas as palavras de ordem de paz e pão, “em si”, eram mínimas.
O mesmo acontece com a palavra de ordem predileta de Germain, o “controle operário”. Trotsky disse como, se este se exerce através das direções burocráticas, se transforma em uma ferramenta do regime capitalista e não em uma palavra de ordem com conseqüências transitórias. Se em uma greve geral, como a do Maio francês, propomos o controle operário como bandeira central da greve, esta se transforma em uma palavra de ordem da contra revolução burguesa ou do reformismo burocrático. Isto é assim porque desvia as massas daquilo que objetivamente uma greve geral coloca, que é o problema do poder, algo muito acima do controle operário.
Tanto a palavra de ordem de controle operário quanto qualquer combinação tática adequada de palavras de ordem de poder (governo operário e camponês, todo o poder à COB etc.) são palavras de ordem transitórias. No entanto, o resultado obtido ao aplicar uma ou outra, em um caso como este, é completamente oposto. Germain não compreende nem a classificação das palavras de ordem com base em critérios objetivos nem percebe que todas as palavras de ordem são imediatas devido às necessidades objetivas colocadas pela decadência imperialista ao movimento de massas; nem ao menos vê que esse mesmo critério objetivo é o que deve prevalecer em sua aplicação. Ele continua com seus famosos “níveis de consciência”.
Se as palavras de ordem servem para a mobilização das massas, para aproximá-las da tomada do poder, são boas, seja qual for seu “conteúdo histórico”, já que elas se combinam com a palavra de ordem de transição fundamental: a tomada do poder pelo proletariado. Se servem para desviar as massas dessa tarefa imediata, são más, mesma que sejam super “transitórias”. Agora podemos passar ao grande problema que preocupa Germain: o papel das palavras de ordem no desenvolvimento do “nível de consciência”.
O problema da consciência, é verdade, tem enorme importância. Elevar o nível de consciência do movimento operário é uma tarefa essencial de nossa atividade. O que questionamos é a localização da consciência em relação à definição das palavras de ordem e sua utilização.
Qual é essa relação? Muito simples: nossas palavras de ordem têm de partir do nível de mobilização das massas (que expressa sua consciência imediata da necessidade que têm) para tentar elevá-la a um nível mais alto de mobilização (que se expressará num nível mais alto de consciência). Por exemplo, se há lutas por salários em diversas fábricas, devemos partir desse nível de mobilização e desse nível imediato de consciência - “necessitamos de mais salário” - para tentar elevá-lo à greve geral por um aumento geral. Se conseguimos que a greve geral ocorra, esta levara as massas a um enfrentamento de conjunto com o regime capitalista (se este não pode conceder tal aumento) e colocará para o movimento de massas a necessidade de uma resposta política (inevitavelmente transitória), que nos devemos rechear com uma palavra de ordem de poder, de transição.
Este é um esquema linear, que jamais ocorrerá de maneira idêntica na luta de classes, mas nos serve para explicar pedagogicamente a Germain a relação direta das palavras de ordem com o nível de mobilização das massas e, indiretamente, com seu nível imediato de consciência.
A consciência das massas se desenvolve dessa maneira, aprendendo com sua própria mobilização a partir das necessidades das quais elas já têm consciência. A etapa de decadência imperialista e de transição ao socialismo coloca como necessidade imediata para o movimento de massas a revolução socialista. Mas coloca em um sentido histórico, para toda esta etapa, que vai desde a Revolução Russa até a vitória final da revolução mundial. Não a coloca para o começo de qualquer mobilização em qualquer país do mundo: a coloca como necessidade para essa mobilização quando ela se transforme em permanente. Nosso esforço deve se concentrar justamente em dar um caráter permanente às mobilizações das massas, porque só assim elas se elevarão à consciência superior de que devemos tomar o poder através da revolução socialista.
Sintetizando: nossas palavras de ordem devem servir para elevar toda mobilização a um nível superior, já que é a mobilização que eleva a consciência das massas. Este desenvolvimento criará a necessidade de novas palavras de ordem, mais avançadas, até chegar, em um processo permanente, à necessidade (e a palavra de ordem) da tomada do poder e da revolução socialista.
Tentar substituir esse processo objetivo (através da mobilização permanente) de elevação do nível de consciência das massas para uma consciência superior (de que devem tomar o poder) pela propaganda (falada, escrita ou de “ações exemplares”) do partido em torno a palavras de ordem que, por si mesmas, milagrosamente, “elevam o nível de consciência”, é um crime de lesatrotskismo. O próprio Trotsky diz: “Toda tentativa de saltar por cima das etapas reais, isto é, objetivamente condicionadas no desenvolvimento das massas, significa aventureirismo político”.


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