O Partido e a revolução, Nahuel Moreno
Uma primeira classificação das palavras de ordem
Uma palavra de ordem é uma frase escrita ou dita que expressa a
necessidade pela qual as massas se mobilizam em determinado momento. Os
trabalhadores passam fome: a palavra de ordem é “aumento de salários!”. Só uma
minoria pode votar: a palavra de ordem é “voto universal!”. Kerensky é incapaz
de resolver os problemas de paz, pão e terra: a palavra de ordem é “Todo poder
aos soviets!”.
Cada época histórica
colocou ao movimento de massas necessidades novas que foram encaradas com novas
palavras de ordem: ou melhor, lutando por novas soluções para novos problemas.
Por isso, ao contrário da definição fenomenológica, por “níveis de
consciência”, feita por Germain, o trotskismo classifica as palavras de ordem
segundo as necessidades do movimento de massas que elas devem responder. Nossa
classificação das palavras de ordem é, portanto, objetiva e histórica.
Depois veio a época em que
vivemos atualmente, da revolução socialista, transição do capitalismo ao
socialismo. Durante esta etapa transitória, a classe operária no poder tomará
um conjunto de medidas para garantir o nível de vida e trabalho da classe
operária e dos setores explorados: escala móvel de salários e horas de
trabalho, controle operário da produção, nacionalização total da indústria, comércio exterior e bancos,
planificação da economia etc. São reivindicações superiores ao capitalismo, são
já reivindicações socialistas. Trotsky dizia: “Penso que, no inicio, esta
palavra de ordem (escala móvel de salários e horas de trabalho) será assumida.
O que ela significa? Na verdade, é o sistema de trabalho na sociedade
socialista. O número total de operários dividido pelo número total de horas de
trabalho. Mas se apresentamos todo o sistema socialista, aparecerá como utópico
ao americano médio, como algo que vem da Europa. Nós o apresentamos como uma
solução à crise, para assegurar seu direito a comer, beber e viver decentemente.
É o programa do socialismo, mas de forma muito popular e simples”.
Resumindo, podemos dizer
que nosso programa abarca, tradicionalmente, três tipos de palavras de ordem:
as democráticas (arrancadas por e para todo o povo na época de ascenso do
capitalismo), as mínimas ou parciais (arrancadas por e para a classe operária
no começo da época imperialista) e as transitórias (que respondem às novas necessidades
do movimento de massas nesta etapa de decadência imperialista e transição ao
socialismo). (...)
BUSCAR AS PALAVRAS DE ORDEM QUE MOBILIZAM
Mas o fato de
que os quatro tipos de palavras de ordem se combinem em nossos programas e
estejam todas colocadas de forma imediata não significa que qualquer combinação
de palavras de ordem seja correta. Para descobrir a combinação adequada a cada
situação concreta da luta de classes é preciso levar em conta dois fatores: o
país (sua situação econômica e política) e a mobilização concreta em que vamos
atuar. Nos países atrasados gravitam mais as palavras de ordem democráticas e
mínimas, e nos adiantados têm mais peso as transitórias (com exceção daqueles onde ocorrem
formas bonapartistas ou fascistas de governo, quando as mínimas e democráticas
passam também a um primeiro plano). Agora vejamos o que nosso programa e nossas
bandeiras têm a ver com as mobilizações concretas sobre as quais devemos atuar
todos os dias.
Segundo o
fenomenólogo Germain, é preciso dar importância fundamental às palavras de
ordem transitórias, porque são as que “elevam o nível de consciência”. Segundo
o trotskismo, é preciso utilizar a palavra de ordem ou combinação de palavras
de ordem adequadas à mobilização concreta, para desenvolvê-la em direção à
tomada do poder pela classe operária. Porque somente se colocadas no contexto
da luta de classes as palavras de ordem ganham vida e, então, cada palavra de
ordem pode ter conseqüências distintas às que lhe corresponderiam por sua
localização histórica.
No
desenvolvimento vivo da mobilização das massas, bandeiras mínimas podem ter
conseqüências transitórias, e bandeiras transitórias podem ter conseqüências
mínimas. Ou seja, de seu caráter histórico, de sua definição (portanto da
necessidade do movimento de massas que elas expressavam no momento em que
nasceram) não surgem para as palavras de ordem propriedades superiores à luta
de classes.
A mobilização
permanente da classe operária e das massas trabalhadoras é que dá significado
às palavras de ordem. Existem inúmeros exemplos da contradição entre o caráter
histórico das palavras de ordem e suas conseqüências quando aplicadas a uma
mobilização concreta. Vejamos alguns: a bandeira de paz (ou a de pão) na
Revolução Russa teve conseqüências transitórias, ou seja, serviu para mobilizar
as massas para a tomada do poder e a revolução socialista, porque o
imperialismo em crise não podia fazer essa concessão. Mas as palavras de ordem
de paz e pão, “em si”, eram mínimas.
O mesmo
acontece com a palavra de ordem predileta de Germain, o “controle operário”.
Trotsky disse como, se este se exerce através das direções burocráticas, se
transforma em uma ferramenta do regime capitalista e não em uma palavra de
ordem com conseqüências transitórias. Se em uma greve geral, como a do Maio
francês, propomos o controle operário como bandeira central da greve, esta se
transforma em uma palavra de ordem da contra revolução burguesa ou do
reformismo burocrático. Isto é assim porque desvia as massas daquilo que
objetivamente uma greve geral coloca, que é o problema do poder, algo muito
acima do controle operário.
Tanto a
palavra de ordem de controle operário quanto qualquer combinação tática
adequada de palavras de ordem de poder (governo operário e camponês, todo o
poder à COB etc.) são palavras de ordem transitórias. No entanto, o resultado
obtido ao aplicar uma ou outra, em um caso como este, é completamente oposto.
Germain não compreende nem a classificação das palavras de ordem com base em
critérios objetivos nem percebe que todas as palavras de ordem são imediatas
devido às necessidades objetivas colocadas pela decadência imperialista ao
movimento de massas; nem ao menos vê que esse mesmo critério objetivo é o que
deve prevalecer em sua aplicação. Ele continua com seus famosos “níveis de
consciência”.
Se as palavras
de ordem servem para a mobilização das massas, para aproximá-las da tomada do
poder, são boas, seja qual for seu “conteúdo histórico”, já que elas se
combinam com a palavra de ordem de transição fundamental: a tomada do poder
pelo proletariado. Se servem para desviar as massas dessa tarefa imediata, são
más, mesma que sejam super “transitórias”. Agora podemos passar ao grande
problema que preocupa Germain: o papel das palavras de ordem no desenvolvimento
do “nível de consciência”.
O problema da
consciência, é verdade, tem enorme importância. Elevar o nível de consciência
do movimento operário é uma tarefa essencial de nossa atividade. O que
questionamos é a localização da consciência em relação à definição das palavras
de ordem e sua utilização.
Qual é essa
relação? Muito simples: nossas palavras de ordem têm de partir do nível de
mobilização das massas (que expressa sua consciência imediata da necessidade
que têm) para tentar elevá-la a um nível mais alto de mobilização (que se
expressará num nível mais alto de consciência). Por exemplo, se há lutas por
salários em diversas fábricas, devemos partir desse nível de mobilização e
desse nível imediato de consciência - “necessitamos de mais salário” - para
tentar elevá-lo à greve geral por um aumento geral. Se conseguimos que a greve
geral ocorra, esta levara as massas a um enfrentamento de conjunto com o regime
capitalista (se este não pode conceder tal aumento) e colocará para o movimento
de massas a necessidade de uma resposta política (inevitavelmente transitória),
que nos devemos rechear com uma palavra de ordem de poder, de transição.
Este é um
esquema linear, que jamais ocorrerá de maneira idêntica na luta de classes, mas
nos serve para explicar pedagogicamente a Germain a relação direta das palavras
de ordem com o nível de mobilização das massas e, indiretamente, com seu nível
imediato de consciência.
A consciência
das massas se desenvolve dessa maneira, aprendendo com sua própria mobilização
a partir das necessidades das quais elas já têm consciência. A etapa de
decadência imperialista e de transição ao socialismo coloca como necessidade
imediata para o movimento de massas a revolução socialista. Mas coloca em um
sentido histórico, para toda esta etapa, que vai desde a Revolução Russa até a
vitória final da revolução mundial. Não a coloca para o começo de qualquer
mobilização em qualquer país do mundo: a coloca como necessidade para essa
mobilização quando ela se transforme em permanente. Nosso esforço deve se concentrar
justamente em dar um caráter permanente às mobilizações das massas, porque só
assim elas se elevarão à consciência superior de que devemos tomar o poder
através da revolução socialista.
Sintetizando:
nossas palavras de ordem devem servir para elevar toda mobilização a um nível
superior, já que é a mobilização que eleva a consciência das massas. Este
desenvolvimento criará a necessidade de novas palavras de ordem, mais
avançadas, até chegar, em um processo permanente, à necessidade (e a palavra de
ordem) da tomada do poder e da revolução socialista.
Tentar
substituir esse processo objetivo (através da mobilização permanente) de
elevação do nível de consciência das massas para uma consciência superior (de
que devem tomar o poder) pela propaganda (falada, escrita ou de “ações
exemplares”) do partido em torno a palavras de ordem que, por si mesmas,
milagrosamente, “elevam o nível de consciência”, é um crime de lesatrotskismo.
O próprio Trotsky diz: “Toda tentativa de saltar por cima das etapas reais,
isto é, objetivamente condicionadas no desenvolvimento das massas, significa
aventureirismo político”.
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