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As Épocas e Etapas da Luta de Classes - Nahuel Moreno

Capítulo do livro Revoluções do Século XX
Quando se produzem as revoluções sociais? Por que ocorrem essas mudanças bruscas, abruptas e violentas, geralmente sangrentas, nas classes sociais e no estado?

Como vimos, a lei fundamental que move a espécie humana é o desenvolvimento das forças produtivas, isto é, o avanço da capacidade humana de explorar, cada vez mais e melhor, a natureza, através das ferramentas e da tecnologia, melhorando continuamente as condições de vida da humanidade. Nesse avanço vão acontecendo revoluções, com a descoberta ou invenção de novas ferramentas e técnicas, que permitem explorar mais facilmente as matérias primas oferecidas pela natureza e, inclusive, permitem que certos recursos naturais que não eram usados como matéria-prima para a produção, passem a sê-lo (por exemplo o urânio, que antes das descobertas da física e da tecnologia nuclear não servia para produzir nada).

Esse desenvolvimento das forças produtivas, quando chega a um determinado ponto, choca-se com a estrutura social existente, ou seja, com as classes em que a sociedade está dividida nesse momento e com as relações entre elas. Choca-se também com a superestrutura dessa sociedade, com o estado que se encarrega de manter igual à estrutura de classes, mantendo o domínio e a opressão da classe exploradora sobre a classe exploradora. Um bom exemplo disso é o desenvolvimento da produção capitalista nas cidades independentes na sociedade feudal. Enquanto a produção permanece limitada, a estrutura social feudal não impede que as relações de produção capitalistas se desenvolvam. Mas quando se desenvolve a manufatura, que já é capaz de produzir numa escala relativamente ampla, a estrutura feudal torna-se um entrave para a produção continuar se desenvolvendo. Uma força produtiva - a manufatura - capaz de produzir muito mais que a oficina artesanal, precisa de um mercado amplo para vender essa produção. Mas a estrutura dos feudos - pequenas unidades que consomem pouco e onde o senhor feudal estabelece uma alfândega e cobra impostos de quem vier vender em seu feudo - choca-se violentamente com essa força produtiva. Por isso, a unidade nacional, isto é, construir uma nação sem alfândegas internas, um grande mercado livre de entraves - será um dos grandes objetivos do capitalismo.

Para conseguir isso, precisa destruir a classe feudal. E para isso precisa destruir o catado feudal e, fundamentalmente, os exércitos feudais que defendem, com armas, essa classe.

Também precisa destruir a velha classe oprimida, os servos. A produção capitalista precisa de trabalhadores livres, que produzem em troca de um salário e se desloquem para onde os capitalistas precisem. Se hoje eles ganham muito dinheiro fabricando chapéus, precisam de operários para fazer chapéus, mas se amanhã ganharem mais dinheiro produzindo canos, precisam que os operários se desloquem para a fábrica de carros. Um servo, atado à terra, que não pode sair dela, não serve para essa produção e, também, não serve como consumidor, ou seja, para ampliar qualitativamente o mercado. Por isso, outro grande objetivo da burguesia foi abolir a servidão. Mas, para isso, precisam liquidar os senhores feudais e o estado que os defendia.

Assim, para poder avançar na produção capitalista, que era um enorme salto revolucionário no desenvolvimento das forças produtivas, em comparação à produção feudal, a nova classe progressiva, a burguesia, precisava destruir as classes e as relações fundamentais da sociedade, e impor como base da sociedade as novas classes com suas novas relações: a burguesia e o proletariado. Se não tivessem conseguido tal coisa, as forças produtivas da humanidade teriam parado, estancado, porque nunca se chegaria à grande indústria se não houvesse um grande mercado nacional e uma enorme massa de trabalhadores livres para servir como mão-de-obra.

Quando se produz esse choque entre o desenvolvimento das forças produtivas e a velha estrutura social, abre-se para a humanidade uma época revolucionária. É uma época de grandes convulsões, na qual as novas classes progressistas lutam contra a velha classe exploradora que já não serve para nada e que freia todo o desenvolvimento. (Na história nem sempre ocorrem essas épocas revolucionárias. Houve sociedades, como o mundo antigo ou escravista, que frearam o desenvolvimento das forças produtivas mas não foram revolucionadas por classes mais avançadas. Nesses casos, o velho sistema decai, degenera, e toda a sociedade retrocede.)

Entre grandes épocas revolucionárias há épocas que não são revolucionárias. Enquanto a estrutura de classes e sua superestrutura estatal permitem o desenvolvimento das forças produtivas - mesmo havendo contradições - a sociedade vive uma época não revolucionária, de equilíbrio reformista.

Sob o sistema capitalista, por exemplo, deram-se grandes saltos ou revoluções nas forças produtivas. Passou-se, por exemplo, da energia hidráulica para mover as máquinas, ou do vento para mover as embarcações, ou dos cavalos para mover os carros, ao vapor, à energia elétrica, aos motores a explosão. Mas esses avanços nas forças produtivas não se chocavam com a estrutura social e o estado capitalista. Pelo contrário, o capitalismo os incorporava instantaneamente e os levava asca máximo desenvolvimento e aplicação. Era uma época de auge da sociedade capitalista, de harmonia entre o desenvolvimento das forças produtivas e a estrutura social e seu estado.

Quando se entra numa época revolucionária, em geral, a solução da contradição começa pela superestrutura, pelo estado. A nova classe progressiva luta para destruir o aparato de poder e de governo da velha classe que já é regressiva. Se não lhe tomar o poder não pode mudar totalmente a estrutura social anterior. Se a burguesia não destruísse, primeiro, os exércitos feudais e todo o aparato feudal, não podia impor a unidade (o mercado) nacional, nem libertar os servos para se tornarem operários.

Só depois de destruir o estado feudal, tomar o poder e construir seu próprio estado, com seu próprio exército, suas próprias instituições de governo e suas próprias reis, é que a burguesia pôde libertar os servos, abolir as alfândegas internas, eliminar a forma feudal de propriedade da terra e transformá-la em capitalista, etc. Ou seja, só depois de conquistar a superestrutura, o estado, é que a burguesia pôde levar até o fim o seu objetivo de transformar toda a sociedade numa sociedade capitalista.

As Grandes Épocas Revolucionárias

Desde que existem as revoluções modernas, que nascem da luta do capitalismo contra o feudalismo, podemos distinguir três grandes épocas:

1. A Época de Revolução Burguesa

Durante aproximadamente duzentos anos, a burguesia lutou contra o feudalismo que já se tinha tornado um entrave absoluto para o desenvolvimento das forças produtivas. Esta época, que teve um salto fundamental na revolução de Cromwell, na Inglaterra, culminou com as grandes revoluções norte-americana e francesa do final do século XVIII.

2. Reforma e Reação (1880-1914)

Foi época do auge do capitalismo. Depois da revolução francesa, podemos dizer que, em todo o mundo, já começa a ser dominante não só a produção capitalista - que já o ora desde há trezentos anos - mas também o estado capitalista. Entra-se numa época não revolucionária, em que a estrutura social capitalista e seu estado não freiam, e sim desenvolvem aceleradamente as forças produtivas, enriquecendo toda a sociedade.

A partir de 1880 se produz o salto mais fantástico, até então, das forças produtivas.

O desenvolvimento da produção é colossal. Nos países capitalistas avançados se produz una imensa acumulação de capitais.

Essa época de auge prepara a decad6ncia do sistema capitalista. Como produto dessa tremenda acumulação de capitais surgem os monopólios e o imperialismo. Ramos inteiros da produção industrial se concentram em muito poucos proprietários e começam a substituir a burguesia clássica, com centenas de empresas competindo livremente entre si. Torna-se dominante o capital financeiro, que é a fusão do capital bancário com o industrial. As fronteiras nacionais ficam estreitas para esses imensos monopólios que devem, para continuar crescendo, exportar esses capitais aos países atrasados. O imperialismo, capitalismo em decadência, é precisamente isso: o domínio do capital financeiro e monopolista que invade todo o planeta.

3. A Época da Revolução Operária e Socialista

Começa com a primeira guerra mundial, de 1914-18. Esse cataclismo, no qual milhões de homens morreram e enormes massas de forças produtivas foram destruídas, foi a manifestação clara de que o capitalismo tinha começado a frear o desenvolvimento das forças produtivas.

O aparecimento dos monopólios já tinha demonstrado, de forma totalmente deformada que a propriedade privada capitalista não funcionava mais.

As forças produtivas não podiam continuar crescendo com o caos que provocavam centenas ou milhares de burgueses competindo entre si num mesmo ramo de produção. Para avançar era necessário introduzir alguma planificação, pelo menos por ramo de produção. A exportação de capitais, por suave; demonstrava que as fronteiras nacionais também asfixiavam as forças produtivas, que não podiam avançar mais limitadas à sua nação de origem e necessitavam desenvolver-se tomando todo o planeta.

A guerra de 1914-18 foi uma guerra de rapina entre os monopólios imperialistas para controlar o mercado mundial. Foi a demonstração mais clara de que a humanidade não podia avançar mais, não podia mais desenvolver suas forças produtivas se não rompesse a camisa de força da propriedade privada e as fronteiras nacionais e instaurasse uma economia mundial planificada. Porém a burguesia não podia fazer isso porque significaria destruir-se a si mesma, terminando como que a caracteriza como classe social: ser proprietária dos bens de produção e basear-se na exist6ncia de nações com fronteiras e estados bens definidos.

Esta época é a da revolução operária e socialista, porque a guerra (que se converterá num fenômeno permanente) e a miséria das massas (provocada pelo freio ao desenvolvimento das forças produtivas) fazem entrar em ação revolucionária a nova classe progressiva, a classe operária, que faz uma primeira revolução na Rússia cm 1917 Põe-se cm ação a classe social que pode cumprir com as grandes tarefas imprescindíveis para que as forças produtivas continuem avançando: terminar com a propriedade privada e as fronteiras nacionais para poder instaurar uma economia mundial planificada. Isto é assim porque a classe operária é internacional, é igual de um país a outro, e porque não pode transformar-se em uma nova classe proprietária que explore outras, por uma razão: junto com os demais setores explorados é a ampla maioria da sociedade.

Em ambos os aspectos é totalmente diferente das classes anteriores que cumpriram um papel revolucionário em sua época. A burguesia, por exemplo, era uma classe proprietária e exploradora desde que nasceu. A revolução operária e socialista é, pela primeira vez na história, a revolução da maioria da população, dirigida por uma classe internacional, contra a exploração capitalista e contra toda exploração.

Precisamente por uso pode conquistar a economia planificada mundial.

A partir da revolução russa de 1917 e até o presente estamos, pois, na época da revolução socialista, operária e internacional contra o sistema social e o estado capitalista.

As Etapas da Revolução Socialista

Toda época tem suas etapas. As etapas são períodos prolongados de tempo em que a relação de forças entre as classes em luta se mantém constante. O fato de que vivemos uma época revolucionária a nível mundial desde 1917 não significa que nestes últimos 66 anos sempre tenha estado o proletariado numa ofensiva revolucionária. Como em toda luta, existem períodos em que o inimigo contra-ataca e retoma a ofensiva. Neste caso, pode dar-se uma etapa de ofensiva ou contra-ataque contra-revolucionário burguês, dentro da época da revolução operária e socialista.

Desde a revolução russa passamos por três grandes etapas:

1) A Etapa da Ofensiva Revolucionária da Classe Operária

Inicia-se com a revolução russa e se estende com sucessivas revoluções: a alemã, a húngara, a chinesa, a turca, etc. A única que consegue triunfar é a russa (1917-23).

2) A Etapa da Contra-Revolução Burguesa

Insinua-se com o primeiro triunfo contra-revolucionário burguês: o fascismo italiano; consolida-se claramente com a vitória do hitlerismo na Alemanha, que derrota o proletariado mais organizado do mundo, e culmina com a derrota da revolução espanhola e com a ofensiva militar do nazismo na segunda guerra mundial,vitoriosa até 1943 (1923-43).

3) A Nova Etapa Revolucionária

Inicia-se com a derrota do exército nazista em Stalingrado e abre um período de revoluções triunfantes que se estende até o presente.

A primeira delas é a iugoslava, passa por sua máxima expressão na chinesa e teve sua última vitória (no sentido de que se expropria a burguesia e se constrói um estado operário), até agora, no Vietnã, em 1974.

Chamamos esta etapa de "revolução iminente", porque, diferente da etapa aberta com a revolução russa, cujo impacto se resumiu a alguns países da Europa e do Oriente, na presente etapa a revolução eclode e ocasionalmente triunfa em qualquer parte do globo: nos países semicoloniais ou coloniais (China, Vietnã, Cuba, Irã, Angola e etc.) Nos próprios países imperialistas (ainda que somente nos mais débeis, como Portugal) e nos estados operários (Hungria, Polônia).

As Etapas e Situações Mundiais e Nacionais

Todos os termos ou categorias que os marxistas utilizam,como época, etapa e situação, são relativos ao que estamos definindo. Já vimos que pode haver, uma etapa contra-revolucionária dentro de uma época revolucionária a nível mundial. Porém, a revolução é um fenômeno mundial que se desdobra em revoluções nacionais.

Disto tiramos que pode haver e há contradições entre a etapa que se vive a nível mundial e as etapas que atravessam diferentes países.

Por exemplo, nesta etapa de revolução iminente que vivemos a nível mundial desde 1943, muitos países atravessaram ou atravessam etapas contra-revolucionárias a nível nacional (Indonésia, o Cone Sul latino-americano, a URSS, etc) Outros países mantiveram-se em etapas de pouca luta de classes, de equilíbrio na relação de forças entre o proletariado e a burguesia, quer dizer, etapas não-revolucionárias (quase todos os países imperialistas e muitos semicoloniais). E outros que já mencionamos, finalmente, que são os que marcam a dinâmica, o signo da etapa revolucionária, atravessaram etapas revolucionárias que levaram ao triunfo da revolução, que foi abortada ou congelada, ou que foi derrotada.

Da mesma forma, dentro de uma etapa podemos encontrar diferentes tipos de situações. Uma etapa revolucionária não pode deixar de sê-lo se a burguesia não derrotar duramente, na luta, nas ruas, o movimento operário. Por6m, a burguesia, se tiver margem, pode manobrar, pode convencer o movimento operário que deixe de lutar. Assim se abriria uma situação não-revolucionária, por6m a etapa continuaria sendo revolucionária, porque o movimento operário não foi derrotado. Inclusive, a burguesia pode reprimir, sem chegar aos m6todos de guerra civil, o movimento operário e impor derrotas que o fazem retroceder, abrindo uma situação reacionária, porém continuaria estando dentro da etapa revolucionária. Por exemplo, o governo de Gil Robles, que ocorreu no meio da revolução espanhola, iniciada em 1931, foi um governo reacionário que reprimiu duramente o proletariado e criou uma situação reacionária. Porém, ao não ser derrotado o conjunto do movimento operário espanhol, a etapa continuou sendo revolucionária. A melhor prova disso é que poucos anos depois estourou a guerra civil.



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