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A luta por um partido proletário

James Cannon
1º Capitulo: "O que a discussão revelou"
I. O que a discussão revelou
As lutas políticas em geral, incluindo sérias lutas faccionais em um partido, não ocorrem em um vácuo. São realizadas sob a pressão das forças sociais e refletem a luta de classes em algum grau. Esta lei é demonstrada do modo mais contundente no desenvolvimento da presente discussão no interior do nosso partido.
No momento presente, a pressão das forças de classes estranhas sobre a vanguarda proletária é excepcionalmente pesada. É o que devemos entender em primeiro antes de tudo. Somente então podemos nos acercar a uma compreensão da atual crise do partido . É a mais profunda e severa crise que o nosso movimento já conheceu em uma escala internacional. A tensão sem precedentes nas fileiras aponta para um conflito de posições de princípios que são obviamente irreconciliáveis. Dois campos no partido lutam por diferentes programas, diferentes métodos e diferentes tradições.
O que levou o partido a esta situação em tão curto espaço de tempo? Obviamente, não foi a descoberta súbita da incompatibilidade dos dirigentes individuais envolvidos; tais bagatelas são sintomas do conflito, não as causas. Não é possível, também, explicar de modo plausível um conflito desta profundidade e abrangência pela explosão de velhas diferenças de opinião sobre a questão de organização. É necessário, para entender o significado real da crise, buscar causas mais profundas.
Não é difícil, para os que entendem a política como uma expressão da luta de classes – e é este o modo pelo qual os marxistas a entendem – encontrar a causa básica da crise no partido. A crise representa a reação, em nossas fileiras, à pressão externa. Foi desta forma que a definimos, logo no início da crise em setembro passado, imediatamente a seguir da assinatura do tratado do Pacto Nazi-soviético e do começo da invasão alemã da Polônia. Dizemos, mais precisamente, que a crise é o resultado da pressão da opinião pública democrático-burguesa sobre um setor da direção partidária. É esta nossa análise da luta incontida entre as tendências proletária e pequeno-burguesa em nosso partido.
Definimos as facções em luta não por termos gerais e abstratos como “conservadora” e “progressista”. Julgamos as frações, não pelos traços psicológicos dos indivíduos, mas pelo programa que defendem. A discussão revelou não uma diferença de opinião acerca da aplicação do programa – tais diferenças ocorrem freqüentemente e, normalmente, têm uma importância transitória – mas uma tentativa de contrapor um programa a outro. Eis o que dividiu o partido em dois campos. Estes termos, que utilizamos desde o começo da discussão para caracterizar as duas tendências no partido têm a função de ser, naturalmente, definições e não insultos. É necessário repetir esta consideração em cada debate entre marxistas e políticos pequeno-burgueses de todos os tipos; algo que eles não toleram é serem chamados pelo seu verdadeiro nome.
Os dirigentes da oposição consideram ultrajante, uma invenção maldosa de facção, colocar uma tabuleta de classe sobre a sua fração quando o seu único crime consiste no simples fato de que voltaram as costas para União soviética e negar-lhe defesa na luta contra o imperialismo mundial . Nossa definição, porém, deste tipo de atitude não é nova. Nos tempos em que Schachtman estava parafraseando Trótski e não Burnham , ele mesmo escreveu: “no fundo, a posição ultraesquerdista sobre a União Soviética, que lhe nega qualquer direito a ser um Estado operário, reflete as vacilações dos pequeno-burgueses, sua incapacidade de fazer uma escolha firme entre os campos do proletariado e da burguesia, da revolução e do imperialismo”.
Esta citação, de um artigo escrito no New International por Schachtman há dois anos, pode ser aceita como uma definição científica das combinações da oposição e da sua posição atual com apenas uma pequena emenda. Não é correto descrever sua posição como “ultraesquerdista“.
Os dirigentes da oposição escreveram e falaram muito no passado seguindo a linha da citação acima. Ano após ano, em inumeráveis artigos, documentos, teses e discursos, os dirigentes da oposição prometeram e até ameaçaram defender a União Soviética: “na hora do perigo, vamos estar em nossos postos!” Mas quando a hora aproximou-se, quando a União Soviética quase começou a necessitar desta defesa, descumpriram a sua promessa.
O mesmo fizeram com o programa em geral, com a doutrina, os métodos e a tradição do marxismo. Quando tudo isso deixou de ser assunto para exercícios literários em tempos de tranqüilidade e tinha que ser tomado como um guia para a ação em tempo de guerra, esqueceram-se de tudo que havia sido escrito e dito e começaram umas buscas frenéticas por “idéias novas e frescas”. No primeiro teste um pouco mais sério revelaram-se como “trotskistas de tempos de paz”.
Este desempenho vergonhoso, esta traição do marxismo, ocorreu na seção americana da IV Internacional antes mesmo da entrada formal do imperialismo americano na guerra. Na bíblia da oposição, seu documento sobre “A guerra e o conservadorismo burocrático”, somos certificados de que a crise do partido “foi provocada pela guerra”. Esta não é uma afirmação realmente precisa. Os EUA ainda não entraram formalmente em guerra e, até agora, temos apenas uma vaga indicação da pressão material e moral que pesará contra a vanguarda proletária sob condições de guerra. Não a guerra, mas apenas a sombra da guerra que se aproxima foi suficiente para provocar o louco estouro da boiada de Burnham, Schachtman e Abern.
Estes filósofos da retirada e da capitulação, atribuindo gratuitamente ao partido seu próprio pânico, expressam a opinião de que camaradas que leiam seu documento sobre o regime do partido, “tiram dele conclusões cínicas, desencorajadas ou derrotistas”. E acrescentam: “o futuro é sombrio”. Burnham, que desnudou sua alma pequeno-burguesa em um documento especial intitulado “Ciência e estilo”, proclama com uma satisfação maliciosa – o desejo é pai do pensamento – a derrocada da IV Internacional. A realidade é diametralmente o oposto destas observações lúgubres.
Na maioria proletária do partido não há um único traço de pessimismo. Ao contrário, há satisfação universal de que a defecção de um setor da direção partidária tenha se revelado em tempo, antes da guerra, e sob condições em que pudessem ser combatidas abertamente numa discussão livre e derrotadas. A virtual unanimidade com que os quadros proletários agruparam-se para defender o partido e a IV Internacional, a combatividade e irreconciliabilidade com que enfrentaram o ataque de Burnham, Abern e Schachtman são uma prova viva da vitalidade e indestrutibilidade do nosso movimento. Este é um bom agouro para o futuro. Nos dá confiança de que enfrentará o teste real da guerra quando vier. Nos dá base para os cálculos mais otimistas de que de que a IV Internacional não apenas “sobreviverá”, mas vencerá na luta.
Quanto ao “futuro sombrio” – os bolcheviques-marxistas nunca esperaram que o período da agonia mortal do capitalismo pudesse produzir mais que crises e guerras com as suas inevitáveis repercussões nas organizações operárias, incluindo o partido da vanguarda operária. Destas “duras” circunstâncias, a IV Internacional somente tirou a conclusão de que as convulsões sociais grandiosas, que previu e analisou com antecedência, criam as condições através das quais as massas oprimidas, impelidas pela necessidade férrea devem realizar a revolução social e a reorganização do mundo sobre uma base socialista. Uma coisa apenas é necessária: um genuíno partido bolchevique da vanguarda. Somente o marxismo pode ser o programa de um partido como este. Burnham e seus lamentáveis discípulos, os ex-marxistas, ex-trotskistas oferecem um programa que nada tem em comum com o marxismo ou a revolução proletária. O conflito fundamental entre a maioria e a oposição surge daí, um conflito que é manifestamente irreconciliável e ao qual todas as demais questões, por mais importantes, são, não obstante, subordinadas.
No decorrer de uns poucos meses de discussão as diferenças entre a maioria e a oposição atingiram tanta profundidade e amplitude que completamente obscureceram todas as questões do regime do partido. Se todas as supostas deficiências do regime do partido fossem verdadeiras, e então multiplicadas por dez, toda a questão empalideceria por insignificância ao lado das divergências de princípio que, agora, claramente separam as duas frações em pugna. A luta da oposição começou ostensivamente como uma luta contra o “regime de Cannon ” e como uma defesa, ou ao menos, como uma antecipação, da “mudança” de posições de Trótski. Em pouco tempo, porém, desdobrou-se como um conflito fundamental com a IV Internacional em todas as questões do nosso programa, nosso método e nossa tradição.
Abern, que votou no Pleno (outubro de 1939) a favor da resolução de princípio da maioria sobre a questão russa e nos acusa de inventar e exagerar divergências terminou, pela lógica do seu bloco sem princípios, no campo revisionista de Burnham. Schachtman, que no Pleno poderia ser acusado apenas de construir uma ponte em direção a Burnham, tornou-se seu advogado, escrevendo “cartas abertas” para o camarada Trótski em sua defesa e dirigindo os ataques mais venenosos contra a maioria proletária que o lembrava do passado recente. Burnham, em seu último documento a respeito de “Ciência e Estilo”, fala a língua do inimigo inspirado pelo ódio do movimento operário revolucionário e de todos os que permanecem fiéis a ele.
É isto que uns poucos meses de discussão política revelaram.

2 º Capítulo: Um novo estágio no desenvolvimento do trotskismo americano

O corpo da doutrina e métodos conhecidos como “trotskismo” é indubitavelmente o marxismo genuíno da nossa época, o herdeiro e continuador do bolchevismo de Lênin da Revolução Russa e da Comintern dos primeiros tempos. Foi o movimento conhecido como trotskismo e nenhum outro que desenvolveu o bolchevismo ao analisar e interpretar todos os grandes acontecimentos políticos do período pós-Lênin e ao formular o programa para a luta proletária e a sua vitória. Não há outro movimento, não há outra escola que tenha respondido nada. Não há outra escola que valha um momento de consideração da parte dos revolucionários proletários. O trotskismo, que toma forma na IV Internacional é o único movimento revolucionário.
A estrada, porém, da elaboração do programa até a organização de quadros firmes e daí para a construção de partidos de massa da IV Internacional, é difícil e complicada. Atravessa vários estágios de evolução e desenvolvimento bem como um processo contínuo de seleção, atraindo novas forças e descartando outras que fracassam em manter o passo. A seção americana da IV Internacional está neste momento em meio a uma crise neste processo de evolução. Se, como tudo indica, estamos nos movendo no sentido de uma solução radical da crise, devemos atribuí-lo à velocidade com que estão caminhando os acontecimentos mundiais, à imensidão da sua abrangência e à sensibilidade do nosso partido ao seu impacto.
A II Guerra Mundial, não menos que a Primeira, atinge todas as organizações e tendências do movimento operário com a força de um cataclismo. Nossa própria organização não é uma exceção. Como todas as outras, está sendo abalada em suas fundações e compelida a revelar sua verdadeira natureza. Fraquezas que permaneceram ocultas em tempo de paz são rapidamente desnudadas com a aproximação da guerra. Numerosos indivíduos e grupos inteiros, sejam formalmente membros da IV Internacional ou simpatizantes, estão sendo submetidos aos mesmos testes. Haverá baixas, que podem parecer indicar um enfraquecimento do movimento. Isto, no entanto, é mais uma aparência das coisas que a realidade. O trotskismo é a verdadeira doutrina e método da revolução proletária; revela sua verdadeira substância de modo mais infalível em tempos de crise, guerra e luta revolucionária. Aqueles que tenham assimilado o programa, a doutrina, o método e a tradição em sua carne e sangue, como o fio condutor da luta, agarram-se tanto mais firmemente a eles em tempo de crise.
Somente aqueles que tomaram o bolchevismo como um conjunto de fórmulas literárias, cuja adoção lhes deu uma certa distinção em círculos radicais sem incorrer em qualquer responsabilidade séria; aqueles que adotaram o trotskismo como uma forma de “radicalismo extremo”, que nunca foram além dos limites do debate sofisticado – são estas pessoas que tender a vacilar e perder a cabeça sob a pressão da crise e até mesmo culpar o próprio “trotskismo” pelo seu pânico, o qual simplesmente permanece fiel a si mesmo.
Todos sabem que a crise desferiu um pesado golpe contra o imponente movimento do stalinismo. Com a assinatura do Pacto Nazi-Soviético a fuga dos companheiros de viagem stalinistas começou. Puderam engolir os Processos de Moscou , mas não a perspectiva de entrar em colisão com o governo democrático do imperialismo norte-americano. Depois da invasão soviética da Polônia e depois da Finlândia, a fuga dos companheiros de viagem transformou-se em uma debandada. Esta louca migração atraiu ampla atenção e comentário. Nós mesmos demos a nossa contribuição na forma de observações e comentários e humor àquele ridículo espetáculo. Até agora, no entanto, permanecemos calados diante de um fenômeno análogo em nossa própria “periferia”. A fuga dos mais sofisticados, porém dificilmente mais corajosos companheiros de viagem intelectuais do trotskismo americano mal foi menos apressada e catastrófica.
O trotskismo, como doutrina e como um movimento, começou, com a aproximação da guerra, a perder a sua “respeitabilidade”. Muitos dos intelectuais, farejando o perigo, organizaram uma partida rápida e sem dignidade. Na verdade, não restou muito do exército de heróis de salão que costumavam admirar o estilo literário de Trotski e confundir a periferia menos inteligente do stalinismo com pepitas de sabedoria garimpadas dos escritos de Trotski. O colapso da “frente cultural” trotskista foi tomado por certas pessoas, especialmente os próprios ex-combatentes desta frente, como tendo significado o colapso do nosso movimento. Nos jornais do inimigo de classe, aos quais prontamente se ligaram, alguns deles já criaram coragem para escrever acerca do trotskismo como uma “ tendência sectária ultrapassada”. No entanto, os “ultrapassados” são eles, não o movimento da vanguarda proletária, o trotskismo.
Os intelectuais pequeno-burgueses são introspectivos por natureza. Confundem as suas emoções, incertezas, medos e a sua preocupação egoísta a respeito do seu destino pessoal com os sentimentos e movimentos das grandes massas . Medem a agonia do mundo pelas suas dores e achaques inconseqüentes. Na medida que os membros do nosso partido são, em parte, elementos pequeno-burgueses completamente desconectados da luta de classes proletária, a crise que dominou a periferia do nosso movimento é transferida, ou antes, estendida para dentro do partido.
É digno de nota que a crise atingiu a organização do partido em Nova Iorque, graças à sua composição social desfavorável, com uma força e uma virulência excepcional, enquanto que os centros proletários do partido permaneceram virtualmente ilesos. A tendência dos elementos pequeno-burgueses a fugir do nosso programa e a repudiar nossa tradição contrapõe-se à extraordinária de lealdade ao programa do partido da parte da militância proletária. É preciso, de fato, ser cego para não entender o significado desta diferenciação. Quando mais nosso partido revelou-se como um genuíno partido proletário, quanto mais manteve-se firmemente na defesa dos seus princípios e penetrou no movimento operário de massas, mais agüentou o choque da crise. Na medida que nosso partido fincou suas raízes no solo proletário ele ganhou, não perdeu, durante este período recente. O barulho que ouvimos em volta e em torno do nosso movimento é simplesmente o roçar das folhas no cimo das árvores. As raízes não estão abaladas.
A evolução e desenvolvimento do trotskismo americano não se deram de acordo com um plano pré-concebido. Foram condicionados por um número de circunstâncias históricas excepcionais além do nosso controle. Após os quadros iniciais terem se acostumado a suportar os ataques e as pressões dos stalinistas, o movimento começou a tomar forma como uma sociedade de propaganda isolada. Por necessidade, devotou uma excessiva quantidade de energia à luta literária contra o stalinismo. Os acontecimentos mundiais, um após outro, confirmaram nossas críticas e prognósticos. Depois do colapso da Comintern na Alemanha, o fracasso dos sucessivos planos qüinqüenais em trazer “socialismo” à Rússia, os excessos monstruosos da coletivização forçada e fome fabricada pelo homem, as purgas assassinas e os processos – depois de tudo isto, que somente Trotski explicou e analisou com antecipação, o trotskismo tornou-se mais popular em círculos pequeno-burgueses intelectuais e semi-intelectualizados. Tornou-se, por um período, até mesmo uma moda. A filiação ao partido conferia uma certa distinção e não impunha nenhuma dificuldade séria. A democracia interna era exagerada ao ponto da frouxidão. O centralismo e a disciplina existiam apenas no programa, não na prática. O partido em Nova Iorque era mais como um clube de discussão sofisticado que um partido de combate do proletariado.
A fusão com a organização de Muste e mais tarde a entrada no Partido Socialista foi levada adiante com o objetivo deliberado de romper o isolamento propagandista e a estagnação e encontrar o caminho para círculos mais amplos. Estas ações trouxeram centenas de novos recrutas ao partido e nos deram a possibilidade de expandir nossas atividades. Os sucessos, porém, trouxeram suas próprias contradições. Os membros do Partido Socialista em Nova Iorque, incluindo sua ala esquerda e sua organização juvenil, era primariamente pequeno-burguesa em sua composição e, a despeito de sua boa vontade, não eram fáceis de assimilar. Se a nossa organização partidária em Nova Iorque tivesse sido muito maior e predominantemente proletária em sua composição, a tarefa teria sido muito mais fácil. As novas forças do PS, da forma como foi, complicaram o problema da proletarização do partido e contribuíram com recrutas pequeno-burgueses frescos para a camarilha de Abern .
O partido, ao mesmo tempo, graças à nossa deliberada orientação no sentido do trabalho sindical, estava se desenvolvendo em outras partes do país em um sentido proletário. A penetração nos sindicatos estava trazendo novos elementos de combatentes proletários para o partido e o contraste entre os centros proletários e a organização de Nova Iorque relampejou em numerosos atritos até que explodiu na presente crise partidária.
A proximidade da guerra, com o seu anúncio de graves dificuldades e sacrifícios para os membros do partido, trouxe com ela uma inquietude e uma insatisfação entre muitos dos elementos pequeno-burgueses. Estes sentimentos encontraram expressão autêntica em um setor da direção. Começaram a traduzir seu nervosismo em uma crítica exagerada do partido e em exigência em relação a ele que não poderiam ser atendidas nas circunstâncias. Depois da assinatura do Pacto Stálin-Hitler, a oposição tornou-se mais articulada. Começou a se expressar na forma de uma luta contra nosso programa e, eventualmente, em uma revolta contra toda a doutrina, tradição e método do marxismo e do bolchevismo.
Seria completamente absurdo, porém, caracterizar a crise partidária como um resultado meramente de divergências de opiniões políticas. Não tocaríamos o miolo do problema se nos confinássemos a uma caracterização “política” das propostas fantásticas e cambalhotas da oposição. Lutas políticas sérias, como estas, são uma expressão da luta de classes; esta é a única maneira de entendê-las. Os dirigentes da oposição, e uma grande porcentagem dos seus seguidores, mostraram que são capazes de mudar suas opiniões em todas as questões fundamentais da teoria e da política de um dia para o outro. Isto apenas demonstra forçosamente que suas opiniões em geral não devem ser levadas a sério.
Os impulsos dirigentes detrás da oposição como um todo são o nervosismo pequeno-burguês diante da perspectiva das lutas iminentes, dificuldades e sacrifícios e o desejo inconsciente de evitá-los a todo o custo. Para alguns, sem dúvida, a luta frenética contra o nosso programa e nossa tradição é simplesmente um recurso para mascarar uma deserção capitulacionista do movimento revolucionário em uma nuvem de fumaça e controvérsia. Para outros, sua recém descoberta “posição política”, e sua conversa interminável a respeito dela e em torno dela, são uma racionalização inconsciente da mesma compulsão interior. Em tais casos não é suficiente deter-se em uma caracterização política das extravagantes proposições dos oposicionistas. É necessário expor sua base de classe.
A atual crise no partido não é um mero episódio. Não será explicada por simples divergências de opinião tal como ocorreu às vezes no passado e sempre ocorrerá em um partido livre e democrático. A crise é o reflexo direto de uma pressão estranha de classe sobre o partido. Sob esta pressão, o grosso dos elementos pequeno-burgueses e dos dirigentes pequeno-burgueses perderam a cabeça completamente, enquanto que os setores proletários do partido mantêm-se firmes e reúnem-se em torno ao programa com uma virtual unanimidade.
Disto, podemos e devemos tirar certas conclusões:
1. Não é suficiente para o partido ter um programa proletário, ele requer, também, uma composição proletária. De outro modo, o programa pode ser transformado em um pedaço de papel do dia para a noite.
2. Esta crise não pode ser resolvida simplesmente com uma votação na convenção e reafirmando o programa por um voto de maioria. O partido deve proceder daí para uma verdadeira proletarização de suas fileiras. Deve tornar-se obrigatório para os membros pequeno-burgueses do partido conectar-se em um modo ou outro com o movimento operário e dar uma nova forma às suas atividades e mesmos às suas vidas de acordo com isto. Aqueles que forem incapazes de fazê-lo em um período de tempo definido e limitado devem ser transferidos para a categoria de simpatizantes.
Estamos em um estágio definido de evolução do trotskismo americano de uma sociedade de propaganda frouxa e um clube de discussão para um partido proletário centralizado e disciplinado enraizado no movimento operário de massa. Esta transformação está sendo forçada rapidamente sob a pressão da guerra que se aproxima. Este é o significado real da atual luta partidária.

Comintern – abreviatura popular dada à III Internacional ou Internacional Comunista que esteve sob uma orientação revolucionária e a direção de Lênin e Trotski até o seu IV Congresso em 1924 e depois caiu sob a dominação da burocracia centrista a partir do seu V Congresso. Foi dissolvida por Stálin em 1943, em função da sua colaboração com o imperialismo norte-americano durante a guerra de 1939-45.
Refere-se ao pacto de não agressão e de divisão da Polônia entre a URSS e a Alemanha Nazista em 1938, ao qual se atribui ter possibilitado a Hitler dar início à II Guerra Mundial.
Processos de Moscou – encenações e fraudes judiciárias realizadas por Stálin para desacreditar e desmoralizar seus opositores, bem como elimina-los fisicamente, em primeiro lugar Trotski e os trotskistas.
Este raciocínio pode ser generalizado para toda a pequena-burguesia em todas as suas variantes em menor ou maior grau.
3 º Capítulo: O método deles e o nosso
Sob a luz destes fatos, que mostram as duas facções em luta já separadas em dois campos que defendem programas e métodos antagônicos irreconciliáveis, que interesse possível pode um apoiador da IV Internacional e do marxismo em geral ter em um “regime” da oposição pequeno-burguesa ou vice-versa? O conjunto da abordagem à questão do “regime” deve ser fundamentalmente diferente em cada caso, dependendo da posição adotada na questão do programa. O objetivo daqueles que defendem nosso programa somente pode ser corrigir as deficiências do regime e melhorar o seu funcionamento de modo a fazer dele um instrumento mais eficiente do programa. Os críticos do campo da oposição, por outro lado, na medida que haja algum sentido ou lógica em sua posição, não podem ter qualquer interesse verdadeiro em nosso regime enquanto tal. Seu objetivo fundamental é substituir o programa atual por outro programa. Para isso, requerem uma melhora do atual regime, mas a sua remoção e substituição por outro que realizará o programa revisionista.
Está claro, assim, que a questão que coloca-se em primeiro lugar não é organizativa, mas política. A linha política é e deve ser um fator determinante. É e deve ser colocada no centro da discussão. Nos mantemos nesse método apesar de tudo, mesmo ao custo de perder o voto de camaradas que estão interessados primeiramente em questões secundárias, porque somente deste modo é possível educar o partido e consolidar uma base confiável de apoio para o programa.
Qual é a importância da questão organizativa enquanto tal em um partido político? Tem uma importância independente em si própria no mesmo plano com as divergências políticas ou mesmo acima delas? Muito raramente. E mesmo então de modo muito transitório, pois a linha política atravessa e domina a questão organizativa todas as vezes. Esta é a primeira lição do ABC da política partidária, confirmada por toda a experiência.
Em seu documento notório intitulado "Ciência e estilo “, Burham escreve: “a segunda questão central é o problema do regime no Socialist Workers Party ”. Na realidade, a oposição tentou desde o começo da disputa fazer da questão do “regime” a primeira questão; os quadros básicos da oposição foram recrutados precisamente sobre esta questão antes que as divergências teóricas e políticas fundamentais estivessem completamente reveladas e desenvolvidas.
Este método de luta não é novo. A história do movimento operário revolucionário desde os dias da I Internacional é uma crônica ininterrupta de tentativas de agrupamentos pequeno-burgueses e tendências de todos os tipos a recompensar-se a si mesmos pela sua debilidade teórica e ideológica por ataques furiosos aos “métodos organizativos” dos marxistas. E sob a rubrica de métodos organizativos, incluíam tudo do conceito de centralismo revolucionário até questões rotineiras relativas à administração e, indo além, aos modos pessoais e métodos dos seus oponentes de princípio, os quais invariavelmente descrevem como “maus”, “agressivos”, “tirânicos” e – é claro, é claro, é claro – “burocráticos”. Até os dias de hoje, qualquer pequeno grupo de anarquistas explicar-lhe-á como o “autoritário” Marx maltratou Bakunin . A história de onze anos do movimento trotskista nos Estados Unidos é extremamente rica em tais experiências. As lutas internas e as lutas de fração, nas quais os quadros básicos do nosso movimento consolidaram-se e educaram-se foram, em parte, sempre lutas contra tentativas de substituir as questões principais por querelas organizativas. Os oponentes politicamente débeis lançavam mão deste subterfúgio todas as vezes.
Este foi o caso desde os primeiros dias. Nos primeiros anos do nosso movimento, de 1929 quase sem interrupção até 1933, Abern-Schachtman travaram uma guerra de palavras furiosa contra o “aparato burocrático” de Cannon-Swabeck , que consistia, na época, em uma máquina de escrever e nenhuma estenógrafa e nenhum funcionário regularmente pago. A mesma gritaria era feita pela fração de Abern-Muste contra o “regime” de Cannon-Schachtman. Então, Schachtman, que escreve com igual facilidade em cada um dos lados do problema, defendia o “regime” – o mesmo regime – em documentos escritos eloqüentemente e, desnecessário dizer, longos.
Em nossa batalha com a fração centrista de Symes-Clement no Partido Socialista da Califórnia, o último controlava o comitê estadual e trapaceava e nos perseguia através de todos os possíveis truques burocráticos, apelando finalmente para a nossa expulsão; isto não os deteve de protestar todo o tempo contra os “métodos organizativos” de Cannon. Na disputa em torno à questão russa, depois da nossa expulsão do Partido Socialista e precedendo a constituição formal do SWP, Burham e Carter suscitaram a questão organizativa contra nós em uma resolução especial inspirada pela concepção do menchevismo. Schachtman, que naquela estação estava ao lado do bolchevismo, colaborou comigo em redigir um esboço de uma contra-resolução sobre a questão de organização e defendeu o “regime”.
No atual conflito partidário, o mais fundamental de todos, a questão do regime é novamente representada como a “questão central”. Desta vez, Schachtman está ao lado de Burham, atacando o regime que defendia ontem e atacava anteontem. Os tempos mudaram, o advogado mudou de clientes, mas a guerra contra o “burocratismo” no partido mais democrático do mundo é conduzido do mesmo modo que antes e pelos mesmos fins que antes. Estes “problemas internos”, diz Abern em sua carta para Trotski de 6 de fevereiro (1940), “nunca foram resolvidos satisfatoriamente”. Ele deve saber, pois vem conduzindo a guerra sem parar por dez anos – abertamente quando pôde achar aliados importantes, através de intrigas secretas e como franco atirador em emboscada quando ele e seu grupo ficaram sozinhos. Mas, nunca até o momento conseguiram “satisfação”. Seus numerosos blocos organizativos, pelos quais estava sempre pronto a sacrificar qualquer princípio, sempre entravam em colapso no momento crítico. Em cada caso, um novo estrato de membros do partido que equivocadamente o haviam seguido, aprenderam uma dolorosa lição sobre a superioridade da política de princípios marxista sobre os blocos organizativos.
Toda a experiência do nosso rico passado mostrou que não importa que sucesso temporário possa ter uma combinação organizativa no começo, em recrutar camaradas experientes através de contos de fada sobre o regime, a linha política sempre se impõe no final e conquista e subordina a questão organizativa colocando-a em seu próprio lugar. É esta lei absoluta da luta política que frustrou e derrotou Abern cada uma das vezes e o deixou e à sua camarilha isolados e desacreditados ao final de cada conflito.
Abern e seu círculo íntimo de mexeriqueiros pequeno-burgueses nunca aprenderam. Camaradas conscienciosos, no entanto, cuja inexperiência e ignorância explorava, que não tinham interesse particular, e que tomaram esta exposição sobre a questão da organização como moeda sonante, aprenderam. Este é o maior ganho das lutas passadas. Aqueles camaradas da nossa geração mais jovem que tiveram experiências ruins com a tentativa, sob a tutela de Abern, a substituir a linha política pela questão da organização, e mesmo elevá-la ao primeiro lugar acima da luta política - são precisamente estes camaradas os mais imunes a este tipo de truque faccional na atual disputa. Aprenderam, das suas infelizes experiência e de um estudo suplementar, a tirar de lado o falatório acerca do regime no começo de cada disputa; aprenderam a sondar o fundo das divergências políticas e assumir suas posições de acordo.
O longo documento da oposição a respeito da questão organizativa não foi escrito para os quadros educados e bem informados do partido. Foi escrito para os inexperientes e os não iniciados. Foi elaborado para apanhá-los desprevenidos e desorientá-los; para envenená-los com animosidade faccional ou pessoal e, deste modo, torná-los incapazes de fazer uma avaliação objetiva das grandes disputas políticas e teóricas que são a base do conflito.
Recusamo-nos, desde o princípio do presente conflito, firmemente nos recusamos a conduzir a luta neste terreno. Estamos determinados a todo custo a expor a essência teórica e política da disputa. Muitos camaradas levantaram objeções a esta estratégia. Queixaram-se de que camaradas inexperientes estavam sendo desorientados por esta ou aquela história, por uma suposta injúria ou outra, e alinharam-se em uma formação de cúpula antes mesmo de começar a considerar seriamente as questões políticas. A despeito disso, instruídos pela experiência do passado, nos mantivemos no nosso método. O desenvolvimento subseqüente das discussões no partido confirmaram a sua correção. As questões estão bem claras agora. Este é o nosso grande ganho.
Não há dúvida de que um certo número de camaradas foram desorientados e conquistados para a oposição porque, nos primeiros estágios da discussão, nos recusamos ser desviados da luta política e teórica fundamental e permitimos que a maior parte da fofoca e conversa miúda a respeito do “regime” ficar sem resposta. A oposição tem todo o direito de manter os apoiadores ganhos por estes meios; isto deve ser dito com toda a franqueza e seriedade.
Estamos vivendo em tempos sérios. Estamos na véspera de graves acontecimentos e grandes testes para o nosso movimento. Pessoas que podem ser desorientadas e perder a cabeça por meio de rumores e acusações não fundamentadas não serão soldados muitos confiáveis nos duros dias que vêm. A pequena-burguesia, afinal, faz tudo em uma pequena escala. A fofoca e a campanha difamatória da nossa oposição não é uma gota no balde comparada com as torrentes de mentiras, desinformação e difamação que será derramada sobre as cabeças dos combatentes revolucionários nos dias vindouros da crise da guerra através dos poderosos meios de propaganda do inimigo de classe. Devemos esperar que, por longos períodos de tempo, seremos amordaçados, amarrados pelas mãos e pés e não teremos meios de nos comunicar entre nós. Somente aqueles que refletiram sobre os seus princípios e sabem como agarrar-se a eles firmemente serão capazes de sustentar-se em tais tempos. Não é difícil prever que os que sucumbiram já diante desta fraca antecipação desta campanha dentro do nosso partido podem ser engolidos pela primeira onda da verdadeira campanha. Tais camaradas necessitam uma reeducação sobre a base dos princípios e métodos da política marxista. Somente então será possível apoiar-se neles para as futuras batalhas.

Partido Operário Socialista – Socialist Workers Party - SWP
Marx, Bakunin e I Internacional -
1929 -
Swabeck -
Muste -
Symes-Clement -


4º Capítulo: A questão da organização
Na medida que a verdadeira amplitude das disputas teóricas e políticas permaneceram indeterminadas, o falatório a respeito da questão da organização não contribuiu e não poderia ter contribuído com nada exceto confusão. Agora, porém, que as questões políticas fundamentais estão completamente esclarecidas, agora que os dois campos assumiram suas posições nas linhas fundamentais, é possível e talvez viável tomar a questão organizativa para discussão em seu próprio contexto e no seu próprio lugar - como uma questão importante, porém subordinada; como uma expressão em termos organizativos das divergências políticas, mas não um substituto para elas.
O conflito fundamental entre as tendências proletária e pequeno-burguesa expressa-se a cada volta na questão da organização do partido. Nestes conflitos secundários, porém, não estão envolvidos apenas pequenos incidentes, mágoas, atritos pessoais e pequenas mudanças semelhantes que são uma característica comum na vida de toda organização. A disputa é mais profunda. Estamos em guerra com Burnham e os “burnhamistas” em torno da questão fundamental do caráter do partido. Burnham, que é completamente estranho ao programa e às tradições do bolchevismo, não é menos hostil aos seus “métodos organizativos”. Ele está muito mais próximo ao espírito de Suvarine e todos os decadentes, céticos e renegados do bolchevismo que ao espírito de Lênin e do se terrível “regime”.
Burnham preocupou-se, primeiro de tudo, com as “garantias democráticas” contra a degeneração do partido após a revolução. Estamos preocupados, antes de mais nada, em construir um partido que será capaz de liderar uma revolução. O conceito de Burnham de democracia partidária é a de um ateliê de discussões onde a conversa continua para sempre e nada é decidido com firmeza (ver a resolução da Conferência de Cleveland ). Consideremos esta “nova” invenção - um partido com dois órgãos públicos diferentes, defendendo dois programas diferentes e antagônicos! Como todo o resto das “idéias independentes” de Burnham, isto é simplesmente um plágio de fontes estranhas. Não é difícil reconhecer neste brilhante esquema de organização partidária, a reabilitação do mal fadado “partido que inclui todos” de Norman Thomas .
Nossa concepção de partido é radicalmente diferente. Para nós, o partido deve ser uma organização de combate que leva diante uma luta determinada pelo poder. O partido bolchevique que dirige a luta pelo poder não necessita apenas de democracia. Requer, também, um centralismo imperioso e disciplina de ferro na ação. Requer uma composição proletária em conformidade com o seu programa proletário. O partido bolchevique não pode ser dirigido por diletantes cujos interesses reais e vidas reais estão em outro mundo, estranho a este. Requer uma direção profissional ativa, composta de indivíduos selecionados e controlados democraticamente, que devotem toda a sua vida ao partido e que encontrem no partido e em suas atividades multiformes em um ambiente proletário, satisfação pessoal completa.
Para o revolucionário profissional, o partido é a expressão concentrada do seu propósito de vida e ele está ligado a ele para toda a vida e a morte. Prega e pratica o patriotismo de partido porque sabe que seu ideal socialista não pode ser realizado sem o partido. O maior dos crimes, aos seus olhos, é a deslealdade e a irresponsabilidade em relação ao partido. O revolucionário profissional tem orgulho do seu partido. Defende-o diante de todo o mundo em todas as ocasiões. O revolucionário proletário é um homem disciplinado, uma vez que o partido não pode existir como uma organização de combate sem disciplina. Quando se encontra em minoria, submete-se à decisão do partido e leva adiante suas resoluções, enquanto aguarda novos acontecimentos para verificar as disputas ou novas oportunidades para discutir novamente.
A atitude pequeno-burguesa em relação ao partido, representada por Burnham, é o oposto de tudo isto. O caráter pequeno-burguês da oposição é mostrado em sua atitude relativa ao partido, sua concepção de partido e mesmo em seu método de queixar-se e lamuriar-se a respeito das “ofensas”, como de modo infalível em sua atitude leviana em relação ao nosso programa, nossa doutrina e nossa tradição.
O intelectual pequeno-burguês, que quer ensinar e guiar o movimento operário sem participar nele, sente apenas laços frouxos com o partido e está sempre cheio de “queixas” contra ele. No momento em que seus pés são pisados ou em que ele é rejeitado, esquece tudo a respeito dos interesses do movimento e lembra apenas que seus sentimentos foram feridos; a revolução pode ser importante, mas a vaidade ferida do intelectual pequeno-burguês é mais importante. Ele é completamente a favor da disciplina quando está sentando a lei para os outros, mas tão logo se encontre em minoria, começa a lançar ultimatos e ameaça a maioria do partido com o rompimento.
Os dirigentes da oposição vêm se mostrando fiéis ao tipo. Tendo recitado todo o doloroso catálogo das suas ofensas pequenas, sem conseqüência e, em sua maioria, imaginárias; tendo sido repelidos pela maioria proletária em sua tentativa de revisar o programa; tendo sido chamados política e sociologicamente pelo seu verdadeiro nome - tendo “sofrido” todas estas indignidades - os líderes da oposição estão agora tentando uma vingança contra a maioria do partido com ameaças de uma cisão. Não os ajudará. Não nos deterá de mostrar que sua atitude na questão de organização está desconectada das suas concepções pequeno-burguesas em geral, mas é simplesmente uma expressão secundária desta.
Questões de organização e métodos organizativos não são independentes das linhas políticas, mas subordinados a elas. Como regra, os métodos organizativos derivam-se da linha política. De fato, todo o significado da organização é o de realizar o programa político. Em última análise não há exceções a esta regra. Não é a organização - partido ou grupo - que cria o programa; antes, é o programa que cria a organização ou conquista e utiliza uma organização já existente. Mesmo aqueles grupos sem princípio e camarilhas que não têm programa ou bandeira própria, não podem deixar de ter um programa político imposto pelo curso de uma luta. Estamos agora testemunhando uma ilustração da operação desta lei no caso daquelas pessoas em nosso partido que entraram em uma combinação para lutar contra o “regime” sem ter qualquer programa político definido das divergências com ele.
Estão, neste caso, apenas reproduzindo a experiência invariável dos seus predecessores que colocaram o carro na frente dos bois e formaram frações para lutar pelo “poder” antes que tivessem qualquer idéia clara do que fariam com o poder depois que o conseguissem.
Na terminologia do movimento marxista, camarilhas ou grupos sem princípios, que começam uma luta sem um programa definido, foram caracterizados como bandidos políticos. Um exemplo clássico de um grupo como este, do começo até o seu miserável fim nas águas paradas do radicalismo americano, é o grupo conhecido como o dos “lovestonistas” . Este grupo, que recebeu o seu nome do aventureiro sem caráter que foi o seu dirigente, envenenou e corrompeu o movimento comunista norte-americano por muitos anos com as suas lutas faccionais sem escrúpulos, que eram levadas adiante apenas para servir objetivos pessoais e ambições pessoais ou para satisfazer ofensas pessoais. Os lovestonistas eram pessoas capazes e com talento, mas não tinham princípios definidos. Sabiam apenas que queriam controlar o “regime” do partido. Do mesmo modo que Abern, esta questão sempre ocupou o primeiro lugar em seus cálculos; o programa “político” do momento era sempre adaptado ao seu objetivo primordial de “resolver a questão do regime satisfatoriamente”, ou seja, em seu favor.
Foram radicais furiosos e ultraesquerdistas quando Zinoviev estava à cabeça da Comintern. Com a queda de Zinoviev e violenta guinada da Comintern sob Bukharin, tornaram-se ardentes bukharinistas tão rápida e calmamente como quando se troca de camisa. Devido a um erro de cálculo ou atraso na informação, atrasaram-se em fazer a mudança de Bukharin para Stálin e para o esquerdismo frenético do terceiro período. Tentaram, claro, compensar pelo seu descuido propondo a expulsão de Bukharin na convenção partidária que controlavam em 1929. Esta última demonstração, no entanto, de flexibilidade política a serviço de rígidos objetivos organizativos veio tarde demais. Seu atraso lhes custou suas cabeças.
Sua política era sempre determinada à sua revelia pela pressão externa. No período em que pertenciam ao Partido Comunista era a pressão de Moscou. Com a sua expulsão formal da Comintern uma pressão ainda maior começou a pesar sobre eles e gradualmente adaptaram-se a ela. Hoje, esta camarilha miserável e isolada, pequeno-burguesa até o fundo, é jogada de um lado para o outro pela opinião pública pequeno-burguesa como uma pena ao vento. Os lovestonistas nunca tiveram nenhum programa independente, próprio. Nunca foram capazes de desenvolver um programa em anos desde a sua separação do Partido Comunista oficial. Hoje, seu jornal, Worker´s Age , mal pode ser diferenciado de um jornal da esquerda liberal. Um exemplo horrível do resultado final da política “organizativa” sem princípios.
O caso mais horrível de todos, com as mais incomensuráveis conseqüências trágicas finais, é o da fração “antitrotskista” no Partido Comunista Russo. É inquestionável que o bloco entre Stálin-Zinoviev-Kamenev começou sua luta fraccional contra Trótski sem qualquer objetivo programático claramente definido. Precisamente porque não tinha programa tornou-se a expressão de influência de classes estranhas. A degeneração eventual da fração stalinista em um instrumento sem atenuantes do imperialismo e um oponente assassino dos verdadeiros representantes da Revolução Russa não é, como dizem nossos inimigos, um desenvolvimento lógico do bolchevismo. É, antes, um resultado final do afastamento do método bolchevique-marxista da política de princípios.
Guardadas todas as proporções, a camarilha de Abern, de aderentes formais do programa e da doutrina do marxismo para defensores faccionais do revisionismo seguiu o mesmo padrão que os demais exemplos citados. A hegemonia ideológica e política atual de Burnham no bloco de oposição é a prova mais contundente da lei política de que os grupos e cliques que não têm programa próprio tornam-se os instrumentos do programa de outros. Burnham tem um tipo de programa. É o programa da luta contra a doutrina, os métodos e a tradição do nosso movimento. Era apenas natural, de fato, inevitável que aqueles que constituíram um bloco com Burnham para lutar contra o “regime” deveriam cair sob a influência do seu programa. A velocidade com a qual Abern realizou esta transformação pode ser explicada em parte pelo fato de que ele tinha experiência prévia na traição ideológica a serviço de mesquinhos objetivos organizativos, e em parte pelo fato de que a pressão social sobre o nosso partido é muito mais pesada hoje que nunca antes. Esta pressão acelera todos os desenvolvimentos.
5o Capítulo: “Os intelectuais e os operários”

A aberta orientação proletária da maioria é retratada por Burham como a expressão de um antagonismo aos “intelectuais” enquanto tais, como um preconceito ignorante e rústico contra a educação em geral. Em seu principal documento, “A guerra e o conservadorismo burocrático”, escreve: “acima de tudo, uma atitude ‘antiintelectual’ e ‘antiintelectuais’ é martelada nas mentes dos membros do partido. Os integrantes da fração são ensinados, praticamente de modo literal, a desprezar, e despreza, e a escarnecer dos ‘intelectuais’ e do ‘intelectualismo’”. Schachtman e Abern, por razões que somente eles conhecem, assinam seus nomes neste protesto e tomam partido em um conflito no qual têm todo o direito de proclamar neutralidade.

O órgão do lovestonistas, Worker’s Age, que acompanha nossa discussão interna com inocultável simpatia pela oposição, entra no conflito como parte interessada. Ao comentar uma observação em meu discurso publicado no sentido de que os elementos operários entendem a questão russa melhor que os escolásticos mais cultos, o Worker’s Age de 9 de março diz: “isto está, obviamente, dirigido contra Burham, que tem a ‘infelicidade’ de ser culto. O que é este tipo de difamação senão a velha demagogia stalinista que contrastava o elemento ‘proletário’ virtuoso e de visão clara com o ‘intelectual’ confuso e malvado? É o mesmo tipo de demagogia podre sem princípios, não nos enganemos!

Vejamos. A questão em pauta é a atitude dos revolucionários proletários em relação aos membros cultos da classe pequeno-burguesa que bandearam para o movimento proletário. Esta é uma questão importante e merece um esclarecimento. Burham é, sem dúvida, um intelectual, como o testemunham o seu treinamento acadêmico, profissão e realizações. Nada há de errado nisto, como tal, e não podemos ter a menor razão para criticá-lo por este motivo. Somos muito conscientes, como disse Marx, de que a “ignorância nunca fez bem algum a ninguém”, e nada temos em comum com os preconceitos vulgares contra "pessoas cultas” estimulados por demagogos canalhas para servir aos seus próprios objetivos. Lênin escreve a Gorki sobre esta questão: “claro que não sonhei de ‘perseguir a inteligentsia’ como fazem os pequenos sindicalistas estúpidos ou negar sua necessidade para o movimento operário”. É uma acusação difamatória contra a ala marxista do partido, atribuir-lhe tais sentimentos.

Por outro lado, não estamos indevidamente impressionados por mera “cultura” e ainda menos por pretensões a ela. Abordamos esta questão, como todas as demais, criticamente.

Nosso movimento, o movimento do socialismo científico, julga as coisas e as pessoas de um ponto de vista de classe. Nosso objetivo é a organização de um partido de vanguarda para liderar a luta do proletariado pelo poder e a reconstituição da socialista sobre fundações socialistas. Esta é a nossa “ciência”. Julgamos todas as pessoas que vêm até nós de outra classe pela extensão da sua verdadeira identificação com a nossa classe e as contribuições que possam fazer que ajudem o proletariado em sua luta contra a classe capitalista. Este é o quadro no qual consideramos objetivamente o problema dos intelectuais no movimento. Se ao menos 99% dos intelectuais - para falar com o máximo conservadorismo - que se aproximam o movimento operário revolucionário se revelam mais um problema do que um a vantagem não é devido aos nossos preconceitos contra eles ou porque não os tratamos com devida consideração, mas porque não correspondem aos requerimentos que somente eles podem torná-los úteis para a nossa luta.

No Manifesto Comunista, no qual a teoria e programa do socialismo científico foi, pela primeira vez, tornada pública, já se apontava que a desintegração da classe dominante capitalista lança parcelas daquela classe para o proletariado; e que outras - uma parte menor com certeza, e principalmente indivíduos - desligam-se da classe capitalista e fornecem elementos frescos de esclarecimento e progresso ao proletariado. Os próprios Marx e Engels, os fundadores do movimento do socialismo científico, vieram para o proletariado de outra classe. O mesmo é verdadeiro de todos os demais grandes professores do nosso movimento sem exceção.

Lênin, Trotski, Plekhânov, Luxemburgo - nenhum deles era proletário em sua origem social, mas vieram para o lado do proletariado e tornaram-se os maiores dos dirigentes proletários. Tiveram, no entanto, para fazê-lo, que desertar de sua própria classe e integrar-se à “classe revolucionária, à classe que mantém o futuro em suas mãos”. Fizeram esta mudança de lealdade de classe incondicionalmente e sem reservas. Somente deste modo puderam tornar-se os representantes genuínos da classe que adotaram e fundir-se completamente com ela, eliminando toda sombra de conflito entre eles e os revolucionários de origem proletária. Não havia, nem poderia haver qualquer “problema” neste caso.

O conflito entre os revolucionários proletários e os intelectuais pequeno-burgueses em nosso partido, assim como no movimento operário em geral, em todo mundo, geração após geração, não surge dos preconceitos ignorantes dos operários contra eles. Surge do fato de que eles nem “se separam” das classes estranhas, como o Manifesto Comunista especifica, nem “integram-se à classe revolucionária” no pleno sentido da palavra. Diferentemente dos grandes diligentes mencionados acima, que vieram para o proletariado incondicionalmente e em toda a extensão do caminho, hesitam a meio caminho entre as alternativas de classe. Sua inteligência e, até certo ponto, também seu conhecimento, os leva a revoltar-se contra a estagnação espiritual e intelectual da parasitária classe dominante cujo sistema exala um odor fétido de apodrecimento. Por outro lado, seu espírito pequeno-burguês os impede de identificar-se completamente com a classe proletária e seu partido de vanguarda e remodelar todas as suas vidas em um ambiente proletário.

O movimento operário revolucionário, consciente de que “tem o futuro em suas mãos” é auto-confiante, imperioso, exigente no grau mais alto. Repele todo flerte e lealdades pela metade. Reivindica de todos, especialmente dos dirigentes, “tudo ou nada”. Não é a sua “educação”, como os lovestonistas simpatizantes dos oposicionistas em nosso partido, que coloca os intelectuais em conflito com os quadros proletários do nosso partido, mas o seu espírito pequeno-burguês, sua miserável inconseqüência, sua ambição absurda de dirigir o movimento operário revolucionário em seu tempo livre.

Não é verdade que os militantes operários avançados sejam hostis à educação e preconceituosos contra as pessoas cultas. Exatamente o contrário. Têm um respeito exagerado por cada intelectual que se aproxima do movimento e uma apreciação exagerada de cada pequeno serviço que prestam. Nunca foi isto demonstrado mais convincentemente que na recepção concedida a Burham quando ingressou formalmente em nosso movimento e na extraordinária consideração dada a ele durante todo este tempo. Tornou-se membro do Comitê Nacional sem ter servido qualquer período de aprendizado na luta de classes. Foi indicado como um dos editores da revista teórica.

Todo o reconhecimento e as “honras” de um dirigente proeminente do partido foram livremente concedidas a ele.

Sua atitude escandalosa em relação às responsabilidades de direção; sua recusa sistemática em devotar-se ao trabalho partidário como uma profissão, não como um passatempo; sua atitude arrogante e desdenhosa em relação aos seus colaboradores no partido; seu desrespeito pela nossa tradição e mesmo pela nossa organização internacional e sua direção - tudo isto e ainda mais foi passado em silêncio pelos elementos operários no partido, mesmo se, de modo algum, com aprovação. Não foi senão quando Burham veio tentar abertamente derrubar o nosso programa que os elementos operários do partido levantaram-se contra ele e chamaram-lhe a atenção. Sua tentativa, agora, de retratar esta ação revolucionária como uma expressão de um preconceito ignorante contra ele devido à sua “cultura” é apenas outra, e muito reveladora, exibição do seu próprio espírito pequeno-burguês e de desprezo pequeno-burguês pelos operários.

Um partido proletário que seja educado teoricamente nas doutrinas científicas do marxismo não pode ser intimidado por ninguém, nem desorientado por alguma experiência infeliz. O fato de que o culto professor Burham tenha se revelado apenas como outro pequeno-burguês pode talvez criar um pouco mais de cautela em relação a tipos similares no futuro. Não mudará, no entanto, nada na atitude fundamental da vanguarda operária em relação aos intelectuais do mundo burguês que se aproximem do movimento no futuro. É possível que, instruídos pela experiência, o próximo que venha terá que enfrentar condições mais rigorosas. É muito improvável que no futuro a ninguém será permitido pretender a direção a menos que rompa de modo claro com seu ambiente de classe estranho e venha viver no movimento operário. Uma mera visitação não será.

O movimento americano teve uma experiência muito negativa com intelectuais. Aqueles que pareceram no horizonte até o momento foram um bando bastante indigente. Aventureiros, carreiristas, pessoas que buscavam a si mesmas, diletantes, pessoas que fogem sob o fogo - este é o retrato desgraçado da parada de intelectuais através do movimento operário americano pintado por eles mesmo. Daniel De Leon se destaca como a grande exceção. Não era apenas um intelectual. Era um homem e um lutador, um partidário incapaz de qualquer lealdade dividida. Uma vez que se decidiu a vir para a classe proletária, a atmosfera estagnada do mundo acadêmico burguês tornou-se intolerável para ele. Saiu da universidade, batendo a porta atrás de si e nunca olhou para trás.

Daí em diante, até o fim da sua vida, identificou-se completamente com o movimento socialista e a luta dos operários. Os operários revolucionários da atual geração lembram-se dele com gratidão por isso, sem, no entanto, deixar de ver os seus erros políticos. Outros, esperamos, maiores De Leons, virão até nós no futuro e receberão uma acolhedora recepção do partido da vanguarda proletária. Não serão suscetíveis se examinarmos com atenção suas credenciais e os submetermos a um certo aprendizado. Não ficarão ofendidos se insistirmos em um entendimento explícito de que sua tarefa é interpretar a ciência do marxismo, não em impingir um substituo burguês para ela. Os novos De Leons entenderão rapidamente que este exame preliminar é simplesmente uma precaução contra a infiltração dos farsantes intelectuais e não representa, de modo algum, um preconceito contra os intelectuais que realmente vêm servir a causa proletária.

Os genuínos intelectuais marxistas que vêm até nós entenderão o ponto cardeal da nossa doutrina, de que o socialismo não é apenas um “ideal moral”, como Burham tenta nos instruir no ano de 1940 - 92 anos após o Manifesto Comunista - mas o resultado necessário de uma luta de classe irreconciliável conduzida pelo proletariado contra burguesia. São os operários que devem fazer a revolução e são os operários que devem compor o partido da vanguarda proletária. A função do intelectual marxista é a de ajudar os operários em sua luta. Pode fazê-lo construtivamente somente virando as costas para o mundo burguês e integrando-se ao campo do proletariado revolucionário, ou seja, deixando de ser um pequeno-burguês. Sobre esta base, os operários bolcheviques e os intelectuais marxistas dar-se-ão muito bem.
6o Capítulo: “O caso de Burham”
James Cannon
Ao estilo de todos os pequeno-burgueses impenitentes, para os quais as considerações pessoais, especialmente as mágoas pessoais, reais ou imaginárias, têm peso maior que os problemas do partido e da classe, nossos oposicionistas circulam industriosamente a acusação de que estamos “perseguindo” Burham. Faz-se circular que Cannon particularmente, que é a “encarnação” de todo o mal no partido, não pode tolerar qualquer pessoa inteligente na direção e quer “expulsar Burham do partido”. Não há dúvida de que este clamor ganhou uma simpatia dos humanitários do partido e amealhou alguns votos para a oposição. Outros, aspirantes desprezados à direção, viram no “perseguido” Burham um símbolo da sua própria tragédia de partir o coração. Todos os ofendidos e insultados agruparam-se para sua defesa com solidariedade instintiva.

Esta mágoa, no entanto, é inteiramente imaginária. Burham nunca encontrou qualquer hostilidade pessoal da ala proletária do partido. Ao contrário, como os fatos os demonstram abundantemente, foi sempre tratado com luvas de pelica e recebeu todo o tipo de liberdades negadas a outros. Suas qualidades e habilidades foram apreciadas no mais alto grau e cada passo dado na nossa direção, ou seja, na direção do bolchevismo e da integração completa ao partido, foi bem-vindo e encorajado. Foram feitos, longe de procurar “expulsar Burham”, extraordinários para atraí-lo mais completamente na vida partidária. Ao mesmo tempo, os companheiros com maior experiência e discernimento entenderam bem que ele estava em uma posição insustentável; que cedo ou tarde teria que se decidir a juntar-se a nós integralmente ou voltar para o mundo burguês. A decisão inevitável, quando finalmente veio, foi da sua própria autoria.

Olhando meus arquivos pessoais outro dia deparei-me com uma carta do camarada Dunne, endereçada a mim na Califórnia, no dia 21 de novembro de 1936. Esta carta é uma prova convincente da boa vontade em relação a Burham. Vicent escrevia: “Recebi uma carta razoavelmente longa do camarada Burham com uma muito boa crítica a respeito do The Organizer e da campanha eleitoral. Penso que Jim está realizando um trabalho muito bom e é especialmente gratificante saber que ele acompanha tão de perto e é capaz de falar em termos que indicam que está se desenvolvendo muito rapidamente. Enviar-lhe-ei uma cópia dos seus comentários, a maioria dos quais acredito que são bastante válidos. Acredito que a sua apreciação dos efeitos da minha candidatura e sua relação às tarefas do sindicato na eleição não é muito bem pensada, mas não se pode esperar mais dele, uma vez que tem pouca ou nenhuma experiência no movimento de massas.”

Esta carta ilustra de modo marcante a atitude amigável dos elementos proletários em relação a Burham e as esperanças albergadas em relação ao seu desenvolvimento futuro. Ao mesmo tempo, coloca o dedo com muita propriedade em seu ponto fraco, “nenhuma experiência no movimento de massas”, a qual infelizmente, Burham não fez esforço algum para corrigir e que, sem dúvida, contribuiu muito pesadamente para o seu fracasso em assimilar-se ao nosso movimento. Esta carta mostra que Dunne estava disposto a aprender do intelectual. Infelizmente nunca ocorreu a Burham que ele pudesse aprender alguma coisa do dirigente dos operários. Se ele apenas soubesse, havia muito que poderia aprender.

O camarada Dunne poderia ter acrescentado outra debilidade igualmente séria na posição de Burham: sua falta de experiência no partido. Não se pode aprender tudo o que há para saber sobre um partido, sua vida interna e funcionamento através de visitas semanais às reuniões do Comitê Político. Também não se pode ser um dirigente sério do partido em seu tempo livre. A social-democracia dos tempos antes da guerra era uma organização desajeitada e lerda que atuava sobre a base da teoria de que tinha tempo ilimitado para avançar para o socialismo a passo de tartaruga em um processo evolucionista completamente normal, sem ser interrompida por guerras e revoluções. A direção correspondia no fundamental ao caráter do partido. Advogados, médicos, professores, pregadores, escritores - pessoas deste tipo que viviam as suas vidas reais em outro mundo e cediam uma noite, ou no máximo duas, por semana do seu tempo para o movimento socialista pelo bem das suas almas - eram os dirigentes destacados do partido socialista antes da guerra.

Eles decidiam tudo. Faziam a lei. Eram os oradores nas ocasiões cerimoniais, posavam para as suas fotografias e davam entrevistas para os jornais. Havia, entre eles e os Jimmy Higginses proletários na base, um abismo. Quanto aos funcionários do partido, as pessoas que dedicavam todo o seu tempo ao trabalho diário e rotina do partido, eram encarados simplesmente como criados a serem carregados com tarefas desagradáveis, mal pagos e culpados se algo desse errado. Cultivava-se um preconceito contra os trabalhadores profissionais do partido. As verdadeiras honras e influência decisiva ia para os dirigentes que tinham ocupações profissionais fora do partido e que, em sua maior parte, levavam vidas tipicamente pequeno-burguesas muito distantes das vidas dos operários que eles, supostamente, “dirigiam”.

Quando organizamos o Partido Comunista neste país em 1919, sob a inspiração da Revolução Russa, colocamos um ponto final em toda esta loucura. Éramos da opinião de que a direção do movimento revolucionário era um assunto sério, uma profissão em si mesma, e a mais elevada e mais honrosa de todas as profissões.

Considerávamos indigno de um dirigente revolucionário desperdiçar o seu tempo em algum emprego trivial no mundo burguês e errado que o partido o permitisse. Decretamos que ninguém poderia ser membro do Comitê Central do partido a menos que fosse um profissional de tempo integral para o partido ou que tivesse a disposição de sê-lo assim que o partido o requisitasse. Acredito que estávamos certos em 1919. No presente momento do relógio da história, acreditamos que esta idéia é ainda mais certa, quando o problema supremo da revolução é o partido proletário sobre a base maior possível de eficiência.

De um modo geral, não há desculpa para nenhuma excepção a esta regra a menos que o próprio partido, por razões próprias, ache aconselhável ter um dirigente de destaque nesta ou naquela posição fora do partido para servir fins partidários. Naturalmente, há, houve e haverá casos nos quais as responsabilidades pessoais do indivíduo não poderão ser atendidas pelo partido e ele pode ser obrigado a procurar um emprego exterior por razões econômicas. Este é o caso agora mesmo com um grande número de camaradas do partido que deveriam de direito estar devotando todo o seu tempo ao partido. Tais situações, porém, devem ser encaradas como expedientes temporários, a serem abandonados quando os recursos econômicos do partido melhorem.

Seria completamente natural que um homem com os talentos destacados e recursos de Burham devesse desempenhar um papel dirigente no partido. Este fato foi universalmente reconhecido. Ao mesmo tempo, parece-me, colocava sobre Burham a obrigação de colocar-se completamente a serviço do partido e fazer do trabalho partidário a sua profissão. Nos primeiros dias do nosso relacionamento com ele, tínhamos como certo de que tinha este objetivo em vista. Longe de barrar esta via para ele, fiz, pessoalmente, várias tentativas para abri-la.

Apresentei a questão para ele pela primeira vez em no verão de 1935. Já nesta época, ele era altamente crítico da eficiência dos trotskistas; até propôs a teoria de que esta era uma debilidade inerente ao trotskismo. Estava inclinado a pensar que nosso “regime” - então “incorporado” por Schachtman and Cannon - estava tão preocupado com as idéias políticas e com a convicção de que elas prevaleceriam apesar de tudo, que a máquina organizativa e administrativa para realizar as idéias não recebia atenção suficiente. (Isto foi antes de que Burham descobrisse que Cannon não tem idéias políticas ou interesse nelas.)

Propus a ele, no mais amigável espírito, que ajudasse a remediar esta debilidade indubitável. Propus, concretamente, que ele colocasse um fim no negócio minúsculo de ensinar estudantes de faculdade que não tinham intenção de ligar-se ao movimento operário e devotasse suas energias e talentos inteiramente ao nosso partido. Depois de “pensar a respeito”, por um dia ou dois, rejeitou a proposta. A razão que deu era surpreendente: disse que não estava convencido a devotar sua vida inteiramente a uma causa que poderia não ser vitoriosa durante a sua vida! Não poderia, naturalmente, dar-lhe qualquer garantia...

Depois que retornei da Califórnia, no verão de 1937, quando estávamos trabalhando para formar nosso partido novamente após a nossa expulsão do PS, novamente trouxe à baila com Burham a questão de que assumisse o posto de secretário nacional. Novamente, recebi uma resposta negativa. Na discussão da pré-convenção que precedeu a nossa convenção de fundação em Chicago pouco mais de dois anos atrás, Burham começou a desenvolver sua teoria revisionista sobre a questão russa. Em acréscimo, começou a levantar a “questão organizativa” de um modo que sugeria uma divergência conosco que fosse mais profunda que nossas diferenças em torno a este ou aquele detalhe do trabalho corrente. Na realidade, suas críticas eram dirigidas não tanto ao regime do partido como às concepções organizativas e tradições do bolchevismo.

Começou a expressar uma grande preocupação com a “democracia” depois da revolução, um tanto no mesmo modo daqueles democratas que identificam stalinismo e bolchevismo. Ficamos muito preocupados com estas manifestações. Pareciam indicar, muito claramente que Burham movia-se não na nossa direção, mas na direção oposta. Eu e o camarada Schachtman, que trabalhávamos juntos naquele momento, havíamos elaborado a resolução organizativa contra a resolução de Burham. Tivemos diversas discussões a respeito destes sintomas alarmantes da defecção de Burham da linha do nosso movimento. Havíamos seguido um curso deliberado de minimizar a fricção pessoal. Não era fácil diante da atitude provocativa e arrogante de Burham, mas tivemos êxito em manter os antagonismos pessoais em um nível mínimo. Em uma conversa que tivemos com Burham naquele período, ele deixou claro que sua apreensão não estava dirigida contra o nosso bolchevismo ortodoxo ou, de qualquer modo, à nossa interpretação dele. Expressou a opinião de que nós, como dirigentes do futuro Soviete, seríamos implacáveis demais na nossa supressão da oposição.

Não estava, no entanto, de modo algum, seguro de si mesmo nestas questões. Estava, obviamente, atravessando um período difícil de ceticismo e de conflito interno que foi, sem dúvida, acentuado, senão inspirado, pela insuperável contradição entre a sua vida pessoal e a sua posição como dirigente partidário. Parecia-nos, porém, que as suas concepções suvarinistas a respeito do bolchevismo e do stalinismo não estavam, de forma alguma, completamente formadas. Suas concepções revisionistas sobre a questão russa ainda não haviam levado às conclusões contra-revolucionárias com relação ao defensismo ou derrotismo. Esperávamos que ele sobrevivesse sua crise pessoal e encontrasse o caminho para o bolchevismo. Para facilitá-lo, como disse antes, fizemos tudo para manter relações pessoais amigáveis sem fazer qualquer concessão de princípio, seja na questão russa, seja na questão de organização.

Schachtman e eu trabalhávamos ombro a ombro naquele período, defendendo juntos o programa da IV Internacional sobre a questão russa e defendendo juntos o “regime”. Naquele momento, com o conhecimento e a participação de Schachtman, escrevi uma carta a respeito desta questão ao camarada Crux . Considero necessário agora publicar esta carta. Penso que convencerá qualquer camarada objetivo de ao menos dois pontos: 1) que o conflito com Burham, que atingiu o estado atual de irreconciliabilidade, foi claramente prognosticado há mais de dois anos; 2) que eu pessoalmente queria fazer todo o possível para manter boas relações com ele e preservá-lo para o movimento revolucionário. Aqui, reproduzo integralmente minha carta para Crux:
“5ª Avenida, nº 100, quarto1.609, Nova Iorque
Caro camarada Crux,
A viagem a Mineápolis ocupou duas semanas da minha programação em um momento muito impróprio: véspera da Convenção. Não obstante, penso que valeu a pena. Por todos os indícios, conseguimos não apenas frustrar a farsa montada pelos stalinistas, mas dar-lhes um pesado golpe no interior do movimento sindical. Neste caso, eles se opuseram não só aos “trotskistas” como grupo, mas a todo o movimento operário de Mineápolis. Os resultados foram esmagadores para eles. E deve-se admitir que ajudamos a marcha do processo natural.

Nossos camaradas em Mineápolis estavam na ofensiva em toda a linha. Parece-me, também, que a sua posição no movimento sindical está mais forte que nunca. Penso que também nacionalmente saímos vitoriosos deste enfrentamento. O fato de que o professor Dewey, em seu discurso no rádio, tenha feito referência à farsa de Mineápolis, é em certa medida indicativo de que a nossa campanha gravou-se nas mentes de um círculo bastante amplo de pessoas que seguem os desenvolvimentos no movimento operário.

Espero, agora, ser capaz de concentrar todo o meu tempo e atenção na preparação para a convenção. Estou totalmente otimista a este respeito. Sei que a militância ativa em todos o país, especialmente os que estão envolvidos no trabalho de massas, e não são, de modo algum poucos, estão aguardando a convenção com grande expectativa e entusiasmo.

Estamos planejando orientar a convenção de acordo com as linhas das nossas perspectivas gerais e tarefas de nosso trabalho concreto nos sindicatos, colocando a controvérsia em torno da questão russa na proporção adequada. Os camaradas no campo levantaram em armas diante da perspectiva, indicada nos boletins internos, de que a convenção possa se transformar meramente em uma discussão da questão russa.

Ficou decidido que eu deveria fazer o informe sobre a questão sindical com o objetivo de trazer esta questão para o primeiro lugar nas deliberações da convenção. Nossos camaradas envolvidos na atividade sindical estão assegurando sucessos modestos em um número inesperado de lugares. É, também, precisamente nestes lugares onde o partido avança, atraindo novos membros e onde o espírito de otimismo revolucionário prevalece.
O pessimismo geral e o espírito de derrotismo, tão forte nos círculos de radicais intelectualizados e des-classados, afeta a nossa organização sobretudo em Nova Iorque. Aqui, devemos admitir, a composição social não é a melhor e isto explica muitas coisas. Quanto aos verdadeiros operários, as duras exigências da luta diária não permite especular muito a respeito do triste estado do mundo e eles não têm para onde correr.

Sinto-me razoavelmente seguro de que a convenção será um sucesso do ponto de vista de organizar e estimular nosso trabalho de massas, e de apontar toda a atividade do partido nesta direção. Ao mesmo tempo, está claro, não passaremos por cima das controvérsias de princípio. Tive diversas conversas com o camarada Schachtman a respeito disto. Estamos completamente de acordo e decididos firmemente a lutar por uma resposta e sem ambígüidade, de um ponto de vista bolchevique a cada questão. Esperamos ao mesmo tempo conduzir esta luta intransigente de tal modo, e com tal tom, que permita evitar qualquer ruptura séria de relações de camaradagem pessoal. Podemos nos restringir a este respeito ao máximo porque temos certeza do apoio firme da esmagadora maioria do partido, em particular dos operários bolcheviques.

A respeito da sugestão de que o camarada B. devesse ser convidado para visitá-lo, tanto Max como eu somos da opinião de que está fora de questão antes da convenção. Na realidade, tenho muitas dúvidas de que será viável após a convenção. Devemos esperar e ver o resultado da convenção.

Sinto que é meu dever escrever-lhe com completa franqueza a respeito deste assunto e o faço com total confiança de que minhas observações permanecerão com você e com seus colaboradores imediatos.
Não queremos fazer ou dizer nada que tenda a aguçar conflitos pessoais. Tanto Max como eu estamos indo o mais longe possível para conciliar e suavizar tudo, na medida em que não seja uma questão de borrar as linhas de princípio. Este, porém, é justamente o busílis da questão. Parece-nos que o camarada B. decidiu revoltar-se contra os princípios fundamentais em geral e não apenas na questão russa.

À medida em que se aproxima a Convenção entramos mais e mais em conflito sobre a concepção do partido. As questões da democracia, do centralismo, irreconciliabilidade, resistência obstinada contra a infiltração de humores e teorias estranhas, a necessidade de uma ofensiva brutal contra a os pregoeiros intelectuais de calamidades, derrotistas e chorões em geral - sobre todas estas questões que, na situação atual, expressam o significado do bolchevismo, caminhamos mais e mais para um profundo enfrentamento, ainda que levado adiante de modo educado. Em tempos como este, quando temos que pegar em armas contra um mundo de inimigos e fatores de desintegração, o camarada B. tem como grande deficiência a sua formação, o seu meio e o seu treinamento. Ele tem um caráter forte e não é necessário mencionar sua habilidade, parece-me, contudo, que as divergências que surgem da questão russa e agora de outras questões não primordialmente, ou melhor, não são fundamentalmente intelectuais ou teóricos.

É preciso que diga, caro amigo, que ele está sofrendo de uma depressão intelectual. Podemos curar tal coisa? Se ele estivesse mais identificado com um grupo de operários bolcheviques e pudesse ser colocado sob a influência do seu espírito na luta diária, poderíamos ter maior esperança. Mas eis aí o problema. Ele não se sente realmente um de nós. O trabalho do partido, para ele, não é uma vocação, mas uma distração. Ele não está em condições de viajar pelo país, participar da atividade dos nossos camaradas no campo de ação, viver com eles, aprender deles e colocar-se sob a sua influência em sua vida pessoal. Seu ambiente social é inteiramente diferente. Você sabe muito bem que o mundo acadêmico dos intelectuais, tanto reais como pseudo intelectuais, está carregado com um pesado pessimismo e com um novo ceticismo a respeito de tudo. Se chegar realmente a compreendê-lo, o camarada B. é ele próprio afetado pela pressão do seu meio diário. Combine-se este fato com uma grande tendência da sua parte para censurar seus colaboradores de partido e a resistir à idéia de ser influenciado ou ensinado qualquer coisa, mesmo por nossos camaradas internacionais e podemos ver que o problema não promete nenhuma solução fácil.

Devo dizer que tive durante muito tempo a sensação de que esta crise pessoal viria - eis o que isto é de fato - do camarada B. Sei, como sabemos todos, que o partido revolucionário devora homens. Exige tudo e repele os flertes. De acordo com a situação, agora, o camarada B., tendo se estabelecido como um dos mais eminentes dirigentes partidários e considerando a necessidade indispensável do partido de uma equipe dirigente mais profissional, deveria estar se preparando, ao menos, para se tornar um assalariado, com tudo o que implica. Quando voltei da Califórnia na primavera passada, tinha a esperança de que ele estivesse pronto para uma decisão drástica como esta. Indiretamente sugeri a ele que, com a nossa ruptura com o PS ele deveria assumir o cargo de secretário nacional. Sua incapacidade de responder a esta sugestão naquele momento, ainda que não houvesse, então, nenhum traço de divergências sérias, encheu-me de apreensão pelo futuro.

Escrevi-lhe esta opinião extremamente franca porque creio ser necessário que você conheça a natureza do problema, como eu a vejo. Talvez sobre esta base você possa fazer sugestões ou propostas que nos ajudarão, a nós e ao camarada B. a encontrar uma linguagem comum e um caminho comum.
Do seu camarada,
J. P. Cannon”
Desta carta é evidente que minha opinião da atitude pequeno-burguesa de Burham não foi formulada inopinadamente no início da atual luta fracional. A “depressão intelectual” é a doença pequeno-burguesa.
Esta não é, no entanto, a história toda. Pouco antes de escrever a carta acima tive a oportunidade de estar em Mineápolis (no tempo do assassinato de Corcoran) como mencionei na carta a Crux. Ali tive uma discussão com um grupo de camaradas dirigentes em Nova Iorque. Estes camaradas, que os oposicionistas hoje retratam como pessoas ignorantes que odeiam intelectuais, enfatizaram com muita força para mim na discussão seus desejos de que a disputa com Burham fosse conduzida de tal modo a não criar com ele um antagonismo desnecessário ou enfraquecer indevidamente sua posição no partido. Deixaram claro que valorizavam em alto grau as suas habilidades e queriam segurança de um tratamento de camaradagem com ele que facilitasse a sua permanência como dirigente do partido após a Convenção.

Foram assegurados da minha presteza em atender a sua vontade a este respeito. Expressei, todavia, a opinião de que o verdadeiro problema com Burham era não tanto a sua posição política equivocada como um conflito mais fundamental entre sua vida pessoal burguesa e as crescentes exigências que o partido deve fazer para um dirigente. Em tais casos, lhes disse, eu havia observado com freqüência que as pessoas procuram inconscientemente racionalizar suas dificuldades pessoais e contradições na forma de “divergências políticas” com o partido apressadamente obtidas. Disse que se pudéssemos nos sentir seguros de que Burham fosse realmente um de nós, daria um sinal de determinação da sua parte para resolver suas contradições pessoais e vir trabalhar no movimento revolucionário de modo sério - neste caso, teríamos muito maior terreno para esperar que as divergência políticas entre nós seriam eventualmente superadas no curso de uma discussão entre camaradas e do trabalho partidário comum.

Pouco depois da Convenção, Burham requereu que Schachtman e eu o encontrássemos para almoçar longe do escritório partidário para discutir uma questão muito importante. Nesta reunião, ele nos disse que um camarada, que havia participado da discussão em Mineápolis, havia relatado meus comentários a ele. Enfatizou, porém, que havia sido feito de boa fé e com a melhor das intenções. Expressei meu pesar de que as questões houvessem sido apresentadas a ele de modo tão repentino antes que estivesse preparado para dar uma resposta. Contudo, agora que o fato já estava feito não havia nada a fazer exceto enfrentar o problema.

Burham afirmou francamente que não estava seguro de que não estivesse certo em minha suposição de que em suas controvérsias políticas conosco estava simplesmente racionalizando suas contradições pessoais. Disse que era uma contradição real, que reconhecia este fato, e que ainda não estava pronto para resolvê-la de modo definitivo. Ao invés de mergulhar mais profundamente no trabalho partidário, queria mais tempo para considerar o problema e queria ser liberado, pelo próximo período de todos os deveres partidários exceto seu trabalho literário regular. Discutimos a questão de um modo amigável; não lhe demos nenhuma ordem burocrática, aceitamos suas reivindicações.

As atas do Comitê Político reunido em 20 de janeiro registram a disposição oficial do assunto da seguinte forma:
“Proposta de Cannon: pelo próximo período, considerar o trabalho do camarada Burham como sendo especificamente literário e editorial e que ele seja eximido do trabalho de rotina do sub-comitê. Aprovada.”

Se algum operário no partido, a quem é negado isentar-se de tarefas desagradáveis, ler este trecho da ata do Comitê Político, pode, de fato, tirar certas conclusões a respeito da existência de “cidadãos de segunda classe” no partido. Mas não encontrará nenhum indício de que o principal intelectual do partido tenha sido colocado nesta categoria. (Incidentalmente, podemos aprender deste relato que a famosa ‘reunião de ano novo’ na campanha automobilística não foi a única ocasião em que as decisões formais do CP foram preparadas de antemão em conversas informais. Houve muitas ocasiões como esta e haverá muitas mais no futuro. É o método normal de qualquer “direção coletiva” séria.)

O que mudou desde então? O que aconteceu para que se quebrasse toda colaboração política e pessoal e eventualmente nos trouxesse à atual situação? Da minha parte, nada mudou; meu curso é hoje o mesmo de então. Burham moveu-se firmemente na direção oposta. Schachtman, logo depois da conversa registrada acima, começou a mudar para a órbita de Burham. Separamo-nos e agora estamos em campos opostos. Burham, como o testemunha seu artigo “Ciência e estilo”, rompeu completamente com o marxismo e o bolchevismo e a revolução proletária. Shachtman, que ontem defendia o bolchevismo contra Burham, hoje defende Burham contra o bolchevismo. Deixemo-los explicar estes progressos por referências ao “burocratismo” de Cannon e às maquinações de uma “camarilha”. Estes são simplesmente pretextos inventados após o fato. Todos os meus esforços, como creio ter demonstrado, foram feitos para um fim diferente.
7º Capítulo: O mal da política de bloco sem princípios
A oposição é o pior e mais desleal de todos os tipos de formações faccionais em um partido operário revolucionário: uma combinação sem princípios. O bloco sem princípios é o pior delito contra o partido porque atravessa as linhas de princípio político, visa a uma decisão organizativa que deixa sem esclarecimento as controvérsias de princípios e políticas e sem decisão. Assim, na medida que a luta do bloco sem princípios for bem sucedida, impede a educação do partido e a solução da disputa sobre uma base de princípios. O bloco sem princípios é em todos os casos, a expressão da política pequeno-burguesa. É a antítese do método marxista de luta política.

Os marxistas sempre começam com o programa. Reúnem apoiadores em torno ao programa e os educam quanto ao seu significado no processo da luta. As vitórias políticas dos marxistas são sempre em primeiro lugar vitórias para o seu programa. A fase organizativa da vitória em todos os casos, da eleição de uma determinada chapa de candidatos em luta de facções de partido até e inclusive a tomada do poder em uma luta armada sempre tem um único e mesmo significado; fornecer os meios e o instrumento para realizar o programa político. A política marxista é a política de princípios. Isto explica, entre outras coisas, a homogeneidade da formação marxista, independentemente de se é uma facção em um partido em pequena escala, ou um partido amadurecido e completamente desenvolvido enfrentando os partidos do inimigo de classe. É esta homogeneidade da organização marxista o que torna possível a sua disciplina firme, a sua centralização e o seu poder de fogo.

A política pequeno-burguesa é sempre uma mistura confusa. Nunca chega a um programa completamente desenvolvido e consistente. Toda formação pequeno-burguesa, seja uma facção ou um partido independente, tem este traço característico. Na melhor das hipóteses, luta por objetivos parciais e passa por cima das contradições e diferenças nas suas fileiras de modo a preservar uma unidade formal. Os agrupamentos pequeno-burgueses lutam não em nome de grandes princípios, mas por objetivos organizativos. Para este fim, quase que invariavelmente unem pessoas de diferentes visões e diferentes tendências e subordinam o esclarecimento das suas divergências ao sucesso da luta organizativa. Isto explica sua ausência de disciplina interna e aversão ao centralismo o qual é incompatível com uma composição política heterogênea. Isto determina a sua tendência desmoronar no curso de uma luta severa ou logo depois que tenham obtido uma vitória organizativa momentânea.

A política pequeno-burguesa é a política da futilidade, do aviltamento da teoria, da deseducação dos militantes de base, da distração dos objetivos primordiais e decisivos - as questões de princípio - para todo o tipo de considerações de ordem secundária, incluindo a luta pelo controle organizativo. A luta atual entre as tendências proletárias e pequeno-burguesa em nosso partido é uma ilustração clássica do contraste entre o método político de princípio e o bloco sem princípio.

Foi claramente estabelecido cedo na discussão que a oposição representava uma combinação de pelo menos tendências políticas diferentes sobre a questão russa, com uma única coisa em comum sobre a qual todos concordavam, a saber, a oposição ao “regime do partido”. A luta faccional atual começou formalmente no pleno do partido de outubro passado acerca da questão russa; mais precisamente, sobre dois aspectos de uma mesma questão: a natureza do estado soviético e a sua defesa. O “defensista” Abern votou pela nossa proposta, caracterizando a União Soviética como um estado operário degenerado e declarando sua defesa incondicional contra o imperialismo. O “derrotista” Burnham já havia introduzido um documento no Comitê Político declarando: “é impossível encarar a União Soviética como um estado operário em qualquer sentido que seja”, negando a ele qualquer tipo de defesa “na guerra atual”. Quanto ao “cético” Shachtman, “absteve-se” de “levantar neste momento o problema da natureza de classe do estado soviético”, deixando a questão da defesa para desenvolvimentos futuros.

Os três líderes da oposição deram, cada qual, diferentes respostas à questão teórica básica da natureza, o critério pelo qual todos os marxistas determinam a sua atitude em relação a um Estado determinado e à questão política básica da sua defesa. Isto não os impediu de formar uma fração. Sua incapacidade para dar uma resposta comum quanto ao caráter do regime de Stálin na União Soviética não os impediu de formar uma fração comum contra o “regime” no nosso partido. Aos seus olhos todas as questões estão subordinadas a isto.

O bloco sem princípios viola a tradição marxista de modo tão cru que os que o praticam sentem-se obrigados sempre a cobrir suas operações por meio do engano e da negação. Nossos “bloquistas” atuais seguem esta rotina familiar. Citam a “declaração” feita por Abern no pleno para explicar seu voto tanto pela nossa moção precisa como pela resolução ambígua de Shachtman:

“Com esta avaliação básica não encontro contradição na resolução de Shachtman que aceito em seus aspectos essenciais como um interpretação ou análise das questões correntes específicas ali citadas, sem invalidar a posição básica do partido. Estou pronto a deixar para o próximo período o desdobramento ou outro das interpretações ou implicações afirmadas por alguns camaradas aqui quanto ao caráter de “ponte” da resolução de Shachtman ou se ela se mantém episodicamente por si mesma, e formar meus julgamentos de acordo com os méritos de cada assunto.”

Assim dizem que “se desembaraçam, de passagem, do Argumento de Cannon de que a minoria é um ‘bloco sem princípios’”. “De passagem”, a declaração prova o oposto. As seções da declaração que sublinhei o tornam claro. A ambígua resolução de Shachtman estava sob o fogo da maioria no pleno como uma “ponte” para a posição derrotista de Burnham. A declaração de Abern era uma resposta a esta crítica, uma explicação de que ele entedia que a resolução de Shachtman “não invalidava a posição básica do partido” de “defesa incondicional” pela qual havia votado e a declaração de que “deixaria para o próximo período” o “desdobramento ou outro” - de que? As afirmações da maioria “quanto ao caráter de ‘ponte” da resolução de Shachtman”! Ocorre que elas “desdobram-se” e não outro. Shachtman logo apareceu com armas e bagagens no campo derrotista de Burnham. E Abern - que iria esperar para ver se a posição de Shachtman era uma “ponte”? Ele, o “defensista incondicional” do Pleno de Outubro, sem se abalar cruzou a ponte” para o “derrotismo incondicional”. E, então, pergunta amavelmente, em sua carta aberta para Trótski, “O que há de errado nisso?”

Manter a sua posição política e unir-se organizativamente com pessoas que mantém uma posição diametralmente oposta contra outros com que declarou concordância fundamental e, então, sustentar que nada ocorreu - claro, não há nada “errado nisso”. Nada errado, isto é, se somos formadores de blocos cínicos sem nenhum respeito pelo partido, sua tradição marxista e a inteligência dos seus membros. Aos olhos dos marxistas, todavia, é uma traição aos princípios - um crime imperdoável contra o partido.

Houve uma época em que Shachtman sabia como caracterizar tal conduta e apresentar, como explicava, “o ponto de vista marxista estabelecido sobre o problema”. No Boletim Interno do Partido Operário, nº 3, fevereiro de 1936, em um artigo intitulado Política marxista ou bloco sem princípios?” Shachtman escreveu:

“Finalmente, escrevendo acerca do caso de Mill, que tinha também feito um “pequeno bloco organizativo” - apenas temporário! - com um grupo na Oposição de Esquerda francesa que havia definido como não-marxista, contra outro grupo que, ainda que o chamasse de marxista, era acusado por ele de ter “maus métodos organizativos”. Mill logicamente concluiu esta prática política passando-se para o stalinistas. Trótski resumiu esta situação em uma carta escrita em 13 de outubro de 1932: “para Mill, princípios são em geral claramente sem nenhum importância; considerações pessoais, simpatias e antipatias determinam sua conduta política em um grau maior do que os princípios e as idéias. O fato de que Mill pudesse propor um bloco com um homem que havia definido como não-marxista contra camaradas que havia considerado como marxistas, mostrava claramente que Mill era moral e politicamente sem confiança e incapaz de manter sua lealdade a uma bandeira. Se ele traiu naquele dia em uma pequena escala, seria capaz de trair amanhã em uma escala maior. Era esta a conclusão que todo revolucionário deveria tirar naquele momento...”
Nada precisa ser acrescentado a este parágrafo demolidor. Os argumentos de advogado que Shachtman agora está empregando para defender os métodos que condenava em 1936 não mudam a qualidade dos métodos ou a apreciação marxista deles em qualquer aspecto. Ensinaremos os membros do partido a desprezar tais métodos e levantar uma barricada política e moral contra eles.
8º Capítulo: Abernismo: relatório médico de uma doença
Quase desde o começo do movimento trotskista neste país, há mais de onze anos, seu desenvolvimento normal e funcionamento tem sido obstruído por uma doença interna que envenenou a corrente sangüínea do organismo partidário. O nome desta doença é abernismo. As características do abernismo, como se manifestaram de modo consistente e ininterrupto durante mais de dez anos são: política de camarilha, incessante disseminação de mexericos e reclamações a respeito do regime partidário, subordinação das questões de princípio a considerações organizativas e pessoais; combinacionismo sem princípios em toda luta de facção, traição ideológica.
Esta doença interna sempre esteve presente e sempre foi prejudicial. Em tempos “normais” quando não havia nenhuma luta faccional aberta, ela ficava adormecida, sapando a vitalidade do partido. A cada virada brusca, a doença assumia sempre imediatamente uma forma extremamente virulenta, complicando as lutas ideológicas no mais alto grau e empurrando-as à beira da cisão.
O grupo de Abern é uma camarilha familiar permanente cuja existência ininterrupta e práticas pérfidas são conhecidas de todos os velhos membros do partido. Durante mais de dez anos tem travado uma luta fracional, ora aberta, ora oculta, mas nunca interrompida, contra a direção partidária.
Alguma vez no passado a maior parte dos camaradas dirigentes teve divergências e formaram agrupamentos de fração temporários na luta por conflitantes visões políticas. As disputas tendo sido resolvidas, a paz era feita e uma boa colaboração retomada, os oponentes com muita freqüência tornavam-se os melhores amigos, sem ressentimentos. Abern, porém, sem uma plataforma, sem uma única vez apresentar nenhuma posição política independente, nunca se reconciliou, nunca cessou sua inexplicável luta faccional consistente.
Na disputa atual Abern está apenas repetindo suas velhas e gastas práticas. Entra em uma combinação organizativa; comercia sua posição sobre a questão russa em troca de um bloco contra o regime; envenena a atmosfera da discussão; e, agora, como sempre antes de uma etapa crítica, trabalha deliberadamente na direção de uma ruptura. Em sua carta ao camarada Trotski, datada de 29 de janeiro, anuncia sua intenção de “levar esta luta até o fim”. Por “fim”, obviamente quer dizer o que sempre quis dizer em situações semelhantes no passado, não uma decisão democrática por uma maioria do partido na convenção, mas uma ruptura destrutiva nas fileiras do partido.
A trajetória indefensável de Abern está inscrita na história do nosso partido. Os camaradas mais jovens devem conhecer esta história e não se deve permitir passar por cima dela. O conhecimento deverá ajudá-los a evitar as traiçoeiras armadilhas da política de camarilha e combinacionismo.
Shachtman está muito ocupado nos dias atuais com a tentativa de passar a rica história do nosso partido como uma série de conflitos dos quais nenhuma lição pode ser extraída. Isto não é verdade. Não lutamos por bagatelas. Shachtman objeta a que se faça referência ao registro do passado apenas porque ele condena o seu curso atual. Inventa para a atual luta faccional o mito de uma “camarilha de Cannon”, como um artifício super inteligente para aparar o golpe de um exame da trajetória da verdadeira camarilha cuja acusação ele mesmo fez em documentos que mantêm até hoje a sua validade. Se alguns camaradas ficaram chocados e espantados pela frieza com que Abern, o “marxista ortodoxo” entrou em uma combinação com o revisionista Burham, uma resenha da história do partido mostrar-lhes-á que tais ações da parte de Abern nada têm de novo. Nas suas lutas anteriores com a direção partidária, Abern não hesitou em combinar com o sectário Oehler[1], com o não-marxista Muste[2] e até mesmo com os agentes stalinistas no partido. Na luta atual, Abern está apenas continuando um curso extraordinariamente persistente.
A tentativa dos escribas da oposição para revisar nossa história bem como nosso programa é, por assim dizer, uma “concessão” a Abern, cujo prontuário de luta de camarilhas e combinacionista mancha qualquer fração que apóie. Shachtman e Burham, porém, escrevem demais e esquecem rápido demais o que escreveram. Eles próprios já caracterizaram o grupo de Abern como uma camarilha desleal e sem princípios; expuseram e condenaram seu combinacionismo sem princípios e registraram a sua história. Querem agora descartar toda referência a esta história, especialmente os documentos que eles mesmos escreveram, como não sendo pertinentes à discussão atual. Eis porque não encontraram nada na “história” de Abern que valha a pena defender.
Dizemos e provamos que Abern está recorrente na atual situação crítica às mesmas práticas e métodos que sempre empregou nas crises anteriores do partido. Tentam mudar o assunto acusando-nos de remexer divergências políticas que não têm relação com a disputa atual. Não, não é esse o caso.
Não estamos falando dos erros políticos passados de Abern, ainda que todas as vezes que ele tenha se aventurado a dar à sua “luta organizativa” contra o regime do partido uma expressão política nada cometeu senão erros. Não estamos falando da sua oposição à entrada no Partido Socialista ou, antes disso, sua tentativa de obstruir a fusão com os musteístas e, ainda antes, suas malfadadas aventuras nos sindicatos que terminaram precipitadamente. Não estamos tentando conectar estas lutas ultrapassadas com a luta atual de vida ou morte em torno da questão russa.
Nossas referências específicas são daquelas características da conduta passada de Abern que têm uma relação direta com o presente: seus métodos, sua política de camarilha, seu combinacionismo sem princípio, suas traições de princípio para servir a fins faccionais. São estas as práticas a que ele recorre na luta atual; foram estas as práticas invariáveis do passado. Conseqüentemente, uma resenha do passado neste domínio é absolutamente pertinente para a luta atual. O setor do partido que atravessou as experiências do passado conhece bem a sua trajetória. Eis porque o abernismo é abominado pelos quadros básicos do partido. Os novos membros do partido e a juventude precisam conhecer esta trajetória, precisam entender sua conexão indissolúvel com o presente de modo que possam ajustar contas definitivamente com esta tendência corruptora na próxima convenção.
Desde o começo mesmo da atual luta faccional, Shachtman e Burham vêm sofrendo com mais constrangedora contradição, como resultado da sua combinação com Abern. Não são capazes de defender a trajetória do grupo de Abern. Por outro lado, não podem passar sem Abern, uma vez que seu grupo é a espinha dorsal organizativa da combinação. Tentaram resolver o problema negando a existência da camarilha de Abern totalmente. A “questão Abern”, diz Shachtman, levantando a sua varinha de condão, é “espúria”, “não existe”. Cannon sabe o que todo dirigente partidário bem informado, e muitos militantes, sabem, ou seja, que durante vários anos pelo menos não existiu tal coisa como um “grupo de Abern”.
São boas notícias, só que não são verdadeiras e ninguém “sabe” disso melhor que Shachtman e Burham. Provaremos este fato pelas suas próprias bocas. A existência desta camarilha, sua natureza e método de funcionamento foram estabelecidos e registrados com precisão mortal por ninguém menos que Burham, não “muitos anos” atrás, mas meros três meses antes do começo da atual luta faccional. Em um documento apresentado ao Comitê Político do partido em 13 de junho de 1939, Burham escrevia:
“Há alguns anos, Abern constituiu um grupo de seguidores sobre uma base primordialmente pessoal antes que política. Este grupo tem sido mantido vivo e ainda vive, alimentado por um extenso contato pessoal e por correspondência, ajuda mútua e proteção no que diz respeito a tarefas partidárias e cargos, pela distribuição conjunta de fofocas e informação, inclusive de informação confidencial, e inimizade a Cannon. Quaisquer postos que Abern assuma são administrados com competência, mas ao mesmo tempo administrado de tal forma que ajude a manutenção da sua camarilha” (“Para acertar a cabeça do prego”, itálicas minhas).
O que levou Burham a colocar por escrito em um documento oficial uma caracterização tão demolidora? O que o levou a estabelecer com tal precisão a origem, os métodos, motivações e atual existência da camarilha de Abern? Estava simplesmente registrando de modo natural uma circunstância que “todo membro bem informado do partido conhece”, incluindo Shachtman. O fato de que ele não tenha previsto alguns meses no futuro quando o bloco opositor necessitaria do apoio de Abern e pensasse necessário negar a existência da sua camarilha e denunciar até mesmo que se a mencionasse como sendo “espúrio”, tudo isso atesta a miopia de Burham. Não altera, porém, em modo algum os fatos mencionados.

* * *
Shachtman pratica uma fraude deliberada contra o partido quando tenta negar estes fatos que nenhum de nós foi capaz de esquecer. Eram sempre uma fonte constante de irritação e perturbação na direção partidária, mesmo nos tempos “normais” e uma ameaça à sua unidade em toda luta de fração séria. A inexistente camarilha de Abern era o assunto de repetidas discussões na direção, particularmente entre os mesmos Shachtman e Burham e Cannon. Burham, mais de uma vez, caracterizou Abern como um incipiente “Stálin americano”, referindo-se deste modo às suas intrigas incessantes, sua deslealdade, seu faccionalismo destituído de considerações de princípios, suas motivações mesquinhas, alheias ao espírito do comunismo, de despeito e “vingança”.
Nenhum de nós que realmente conhecíamos Abern tinha em alta estima suas contribuições para a direção do partido. Se concordamos em aceitá-lo como membro do Comitê Político, não foi por suas contribuições políticas. Ele nunca fez uma única. Com certeza, porque não havia “tal coisa” como um grupo de Abern. Ao contrário, era precisamente porque sabíamos que ele representava um grupo que o aceitávamos no Comitê Político como uma concessão a este grupo, em uma tentativa de satisfazê-lo e ao mesmo tempo para desarmá-lo mostrando que não discriminávamos opositores derrotados. Aceitamo-lo no Comitê Político por outra razão, não porque confiássemos nele, mas porque queríamos tê-lo em um lugar onde poderíamos observá-lo mais cuidadosamente. Tais são os fatos do caso e ninguém os conhece melhor que Shachtman.
Quando tínhamos questões de natureza extremamente confidencial para considerar - e não uma nem duas vezes, mas repetidamente - nós nos desembaraçávamos delas informalmente, sem levá-las à reunião oficial do Comitê Político. A razão? Não confiávamos em Abern para respeitar confidências do CP. Em mais de uma ocasião, quando deixamos de lado esta precaução, tivemos motivos para nos arrepender da nossa falta de cuidado.
Várias vezes informações confidenciais foram transmitidas por Abern aos membros da sua camarilha - este é um dos privilégios que gozam estes perseguidos “cidadãos de segunda classe” - e, então, passadas para círculos mais amplos, algumas vezes nas mãos dos nossos inimigos.
Igualmente fraudulenta é a tentativa de Shachtman de provar a inexistência do grupo de Abern por referência ao fato de que o Comitê Político eleito na Convenção de Chicago “tinha nele quatro ex-abernistas de um total de sete membros, ou seja, uma maioria!” Os quatro “ex-abernistas” eram Abern, Widick, McKinney e Gould. Em primeiro lugar, não havia o objetivo de dar-lhes uma maioria; Widick foi eleito não como membro do CP, mas como aspirante, apontado por Shachtman, conforme atestam as atas, “pela razão de que ele seria capaz de servir como secretário sindical até que Farrell Dobbs pudesse assumir suas funções”. Dobbs foi eleito como o membro regular do CP, mas não estava em condições de assumir por outras razões que impediam que viesse para o centro. Goldman, proposto como primeiro aspirante, também estava incapacitado de vir para Nova Iorque naquele momento. Em segundo lugar, as seleções para este CP foram feitas sobre uma base funcional antes que política. McKinney, naquele momento, Organizador de Distrito de Nova Iorque, era considerado necessário no CP devido às suas funções. Quanto a Gould, sua escolha foi feita pelo Comitê Nacional do YPSL[3]. Estes fatos do registro, omitidos por Shachtman, são suficientes para mostrar que não havia objetivo algum de colocar uma maioria de ex-abernistas no comitê.
A circunstância de que quatro abernistas eventualmente foram parar no comitê, devido a uma seleção por função e devido à impossibilidade de Dobbs ou Goldman de vir para o centro e o fato de que não levantássemos objeção a este resultado, não prova de modo algum a “inexistência” da camarilha de Abern. Prova somente que não foram privados de suas funções devido às suas faltas passadas. Mais ainda, esta composição um tanto acidental do CP era aceitada deliberadamente como um teste para os indivíduos envolvidos, como um esforço para que rompessem com as formações e associações de camarilha integrando-os no corpo dirigente do partido. Por exemplo, no caso de Widick, sentimos que apontando-o para o trabalho sindical, um campo completamente alheio aos círculos de fofoca da camarilha de Abern, a atividade neste campo mais amplo poderia operar para curá-lo da sua doença de camarilha e torná-lo um homem de partido.
Gould, conforme afirmado, veio ao comitê como representante do Comitê Nacional do YPSL. Mas quando Gould, durante a convenção de Chicago, inquiriu a respeito da nossa atitude em relação a ele como secretário nacional do YPSL, demos-lhe certas condições explícitas, estabelecidas por Shachtman. Em uma reunião entre nós três, Shachtman disse sem rodeios a Gould: “estamos dispostos a apóiá-lo se você for um homem de partido no YPSL, mas não se você for um abernista. Não queremos que o YPSL se transforme em um brinquedo para a política de camarilha de Abern. Eis aqui o quanto Shachtman realmente acreditava na época da Convenção de Chicago que “não houve tal coisa como um ‘grupo de Abern’”. A tentativa de Shachtman de dar uma impressão contrária em sua “Carta aberta a Trotski” representa simplesmente uma perversão deliberada perversão dos fatos de modo a enganar o partido. Shachtman declarou que a camarilha de Abern “dissolvida” apenas quando necessitava-a em sua realidade não dissolvida para propósito de uma combinação contra o regime do partido

* * *

Shachtman escreve a respeito de muitos assuntos que ele não entende completamente, mas sobre a questão da camarilha Abern, sua origem, seus métodos, sua deslealdade e sua ameaça permanente à unidade do partido - a respeito deste assunto, ele formou-se como uma autoridade há muito tempo. O que ele escreveu ontem sobre este assunto, quando não tinha necessidade faccional alguma de esconder a verdade, é totalmente aplicável hoje, pois o grupo de Abern não mudou em absolutamente nenhum aspecto.
Em fevereiro de 1936, perto do fim da luta longa fraccional em torno da entrada no Partido Socialista, quando a combinação oposicionista de Muste e Abern nos ameaçava com uma ruptura, Shachtman resumiu a história da luta e a história do movimento trotskista na América, em um documento mimeografado de 70 páginas com espaço simples que ocuparam totalmente dois boletins internos do partido. O tema principal do seu conteúdo indicado pelo título “Política marxista ou combinacionismo sem princípios?” é, do começo ao fim, uma polêmica sistemática contra a camarilha de Abern. O propósito do documento, como estabelece a sua introdução, era o de educar a juventude na luta contra a política de camarilha e o combinacionismo sem princípios.
“Está dirigido, escreveu Shachtman, acima de tudo para o militante sedento de conhecimento do nosso movimento. Em certo sentido, é dedicado a eles (...) A juventude deve ser treinada no espírito do marxismo revolucionário, da política de princípios. Através da sua corrente sangüínea deve correr uma poderosa resistência ao veneno da política de camarilha, ou subjetivismo, do combinacionismo pessoal, da intriga, da fofoca. Deve aprender a atravessar todas as superficialidades e atingir a essência do problema. Deve aprender a pensar politicamente, a ser guiada exclusivamente por considerações políticas, a discutir os problemas consigo mesma e com outros sobre a base de princípios e agir sempre por motivos de princípio.” (Boletim Interno do Worker Party, nº 3, fevereiro, 1936, página 2).
Quando Shachtman escreveu, naquele momento, a respeito da política de camarilha, não estava se referindo a uma imaginária camarilha de Cannon. Estava lutando ombro a ombro com Cannon contra a camarilha que existia na realidade então tanto quanto existe hoje. Shachtman nunca nos iluminou quanto à origem precisa da chamada “camarilha de Cannon”. Quanto à origem da camarilha de Abern, ele nos deu informação muito mais precisa.
Prometeu provar e provou de fato que “era formada na calada da noite sem uma plataforma política e sem nunca, em dois anos de existência, ter elaborado uma plataforma política, que a sua base de existência é a de uma combinação pessoal sem princípios, de uma camarilha que se recusa a superar na prática animosidades pessoais e faccionais completamente ultrapassadas, que seu principal objetivo é ‘esmagar Cannon” (e Shachtman, devido à sua associação com aquele)” (idem, página 22).
N realidade, a camarilha da qual está falando foi “formada na calada da noite” nos primeiros dias da Oposição de Esquerda, não “dois anos”, mas sete anos antes do artigo de Shachtman citado acima ter sido escrito. O grupo de Shachtman datou incorretamente no futuro a origem do grupo de Abern no momento da sua ruptura com ele. Abern está sempre sendo “dissolvido” pelas defecções das pessoas que aprendem algo de uma experiência infeliz e então é reconstituído com o seu núcleo básico intacto. Começa então a atrair novos recrutas das fileiras dos inexperientes e dos mal informados, que confundem fofoca, queixas pessoais e “questões de organização” com política revolucionária.
Quais, de acordo com Shachtman, eram os métodos de recrutamento desta camarilha? Naquele momento, como hoje: “(...) não ganhou um único partidário pelos métodos de um confronto ideológico honesto e aberto aos seus oponentes. Seus métodos são outros: diz uma coisa nas cartas, venenosas ‘notas informativas’ enviadas secretamente por Abern, mas que nunca ousam apresentar publicamente diante do partido, e dizem outra coisa abertamente (...)” (página 61).
O que a camarilha representava politicamente? O sempre dinâmico Shachtman, que mantém a pose enquanto assina com Abern condenações do “conservadorismo” de Cannon, tinha a dizer acerca da política do grupo pendular de Abern, que: “representa esterilidade política, passividade, negativismo, timidez, medo de inovações - uma espécie de (ouçam! Ouçam!) sectarismo conservador” (página 61).
Novamente, “se fôssemos obrigados a dar uma caracterização concisa da facção Abern-Weber nossa fórmula confirmar-se-ia a duas palavras para descrever sua predisposição política e seus métodos organizativos: uma camarilha conservadora” (página 62).
O que representa? “Representa uma corrente insalubre e sinistra na nossa corrente sangüínea, a corrente do marxismo revolucionário que se baseia em métodos de princípio, que detesta a política de clique e combinacionismo pessoal. Sua moral, seus hábitos, sua maneira, seus métodos tornam-na um sistema estranho em nosso movimento” (página 63).
No documento citado acima e em outros publicados durante a luta de facções na época, Shachtman provou minuciosamente que a camarilha sem princípios de Abern, cega para todas as metas com exceção a de “esmagar Cannon”, combinou-se com os ultra-esquerdistas oehleristas, com Muste e mesmo com agentes stalinistas mal disfarçados no partido! Cada uma destas combinações teve um resultado terrível. Os oehleristas romperam com o partido e a IV Internacional e tornaram-se inimigos encarniçados. Sem se incomodar com isto, Abern, em combinação com Muste, deliberadamente preparou-se para torpedear o partido com outra ruptura. Enfrentado, como agora, com uma certa perspectiva de ficar em minoria na convenção, Abern recusou-se firmemente, então como agora, a dar ao partido qualquer segurança de que aceitará as decisões da convenção sob o princípio do centralismo democrático. Ao contrário, continuou com um plano deliberado de romper nossas fileiras no mais crucial ponto de inflexão da nossa história, quando estávamos reunindo nossas forças para uma manobra complicada para quebrar o nosso isolamento entrando no Partido Socialista.
Qual foi o motivo deste programa pérfido? Qual foi o motivo da sua orientação para a ruptura na velha luta de 1933, nos dias do nosso isolamento e estagnação, quando uma ruptura das nossas débeis forças poderia bem ter soado o dobre de finados do nosso jovem movimento - uma ruptura que somente foi evitada pela intervenção da nossa organização internacional e a separação de Shachtman, Lewit e outros de Abern? Qual é o motivo da ameaça de uma ruptura na seção americana da IV Internacional na véspera da guerra e da oportunidade e teste histórico do nosso movimento?
Esta são as questões que começaram como pensamentos não pronunciados nas mentes dos camaradas experientes do nosso partido no curso desta discussão. À medida que a luta se desenvolvia e o pérfido programa de Abern tornava-se mais claramente revelado, o pensamento tornava-se um sussurro e o sussurro está hoje se tornando um grito! Alerta pela unidade do partido! Alerta contra os desígnios sinistros para romper nossas fileiras no momento mais crítico da nossa história!

* * *

Por que Abern não levou adiante seus planos de ruptura em 1936? Por duas boas razões - ambas fora de seu controle: 1) a facção estava reduzida a uma pequena minoria; 2) uma tendência anti-ruptura a paralisou de dentro.
Weber, que havia se aliado a Abern na luta faccional e cuja influência pessoal havia sido uma cobertura para ele, recuou diante da perspectiva de uma ruptura. Separou-se de maneira clara e pública do programa rupturista de Abern e Muste saiu a campo firmemente pela unidade do partido. Um exemplo para os outros diante da presente situação crítica! um exemplo de lealdade partidária que ainda não recebeu o devido reconhecimento. Weber foi denunciado por Abern e seu círculo como “traidor”. Até hoje ele está colocado no “ostracismo social” pela camarilha porque demonstrou na situação mais crítica e responsável que sua maior lealdade era para com o partido. Como é vergonhoso e criminoso denegrir Weber de modo a cobrir Abern nas referências àquela luta. “Weber não desempenhou o menor papel na disputa daqueles anos”, diz o documento de Burham, Abern, Shachtman e Bern intitulado “A guerra e o conservadorismo burocrático”. Monstruosa perversão da história! Weber desempenhou o papel de homem leal ao partido e ajudou-o a frustrar os desígnios daqueles que pretendiam rompê-lo. Esta ação apenas pesa mais que os erros cometidos por Weber na luta faccional. Shachtman e Burham também o reconheceram naquele momento. Sua tentativa de ditar um julgamento diferente agora os desacredita, não Weber.
A distância que se pode percorrer no caminho da traição ao substituir a política de princípios pelo combinacionismo não está sendo revelada pela primeira vez pelo atual bloco de Abern com o antimarxista e antisoviético Burham contra o partido e a IV Internacional. Já mencionei que na luta de facções de 1935-36 ele não apenas combinou-se com os oehleristas ultra-esquerdistas e o socialista cristão Muste contra o “regime de Cannon-Shachtman”, mas incluiu em sua combinação alguns agentes políticos do stalinismo nas fileiras do Worker’s Party[4]. Estes não eram provocadores infiltrados tais como os que podem penetrar em qualquer organização ou grupo honesto sem revelar sua identidade política; não há razão para duvidar de que temos tais agentes em nossas próprias fileiras. Os aliados stalinistas de Abern no Worker’s Party mostraram repetida e consistentemente a sua orientação e por um longo período de tempo. Eram consistentemente combatidos pelos camaradas leais no ramo do partido em Allentown e pela fração Cannon-Shachtman no Comitê Nacional e com a mesma consistência protegidos e encobertos pela cúpula Abern-Muste. Foram mantidos nesta cúpula e, até mesmo, no seu corpo dirigente.
A combinação Muste-Abern-stalinista foi ao extremo de se combinar nas eleições da Liga de desempregados local de Allentown com representantes oficiais dos stalinistas contra os membros do seu próprio partido! Eis como a situação foi descrita no Boletim nº 5 do grupo Cannon-Shachtman no Worker’s Party, publicado sob a data de 28 de janeiro de 1936:
“O musteísta Reich, que tem sido criticado durante o último ano por sua orientação pró-stalinista, foi ao extremo de contribuir para a realização uma reunião stalinista na qual Mãe Bloor e Budenz deveriam falar. Isto ocorreu em uma reunião de delegados da Liga de Desempregados de Allentown. O CP, examinando a questão, chegou à conclusão de que o ramo de Allentown ao apenas censurar Reich, havia assumido uma atitude demasiadamente suave em relação a um crime como este. O CD ordenou sua suspensão por três meses, com a exceção de que deveria manter seu direito de votar nas resoluções e nos delegados para a convenção (...) Decidiram desafiar a decisão do CP (...)
Nas eleições para o comitê executivo de Lehig da Liga dos Desempregados, a cúpula (Muste-Abern) decidiu eliminar os oponentes da sua facção no partido. Três membros da direção, eleitos na chapa da nossa tendência, foram retirados da chapa para a reeleição e uma chapa de seis musteístas para preencher os seis cargos foi aprovada pela maioria musteísta do ramo, uma maioria na reunião de 22 a 21. Devido a um apelo da minoria do CP decidiu-se corrigir a chapa, deixar os três dirigentes concorrer à reeleição e manter os candidatos musteístas para os demais cargos. Foi uma divisão justa que correspondia à relação de forças real e também aos méritos dos candidatos individuais. Esta decisão também foi violada sem maiores considerações. Os musteístas concorreram à eleição contra os nossos companheiros e, COM O APOIO DOS VOTOS STALINISTAS, derrotaram os nossos companheiros na eleição (...)”
Reich e Hallet, os agentes stalinistas em Allentown, juntos com Arnold Johnson, um membro do grupo dirigente nacional da cúpula Abern-Muste estavam intimamente ligados a Budenz, os ex-musteísta que tinha ingressado no partido stalinista. Naturalmente, estavam dirigidos com toda a força para romper o partido e destruir a possibilidade de uma entrada bem sucedida no Partido Socialista. O objetivo central dos provocadores stalinistas nas fileiras da IV Internacional em todos os países sempre foi o de provocar rupturas desmoralizantes em momentos críticos, onde o partido dava uma guinada política. Conforme nos aproximávamos da convenção do partido, a facção Abern-Muste reduziu-se a uma pequena minoria e recuou em seu programa rupturista pela posição em favor da unidade do partido de Weber e de outros. Assim sendo, os agentes stalinistas, obviamente agindo sob orientação, decidiram mostrar suas cores. No dia em que a nossa convenção foi aberta, os aliados stalinistas de Abern - Johnson, Reich e Hallet - apresentaram uma carta de renúncia conjunta, nos denunciando como “contra-revolucionários” e anunciando que estavam “ingressando” no Partido Comunista. A carta foi publicada no Daily Worker[5] no dia seguinte.
É impossível descrever a impressão que esta reviravolta nos acontecimentos. Que resultado desastroso da política combinacionista! É seguro dizer que nunca na história do movimento revolucionário uma fração foi objeto de tanto descrédito como a facção combinacionista de Abern-Muste naquela convenção. O clímax catastrófico produziu uma impressão inesquecível nas mentes do camaradas jovens que estavam tendo as primeiras lições sérias na política revolucionária. Não poucos camaradas que haviam sido pegos no labirinto da política combinacionista começaram a sua reeducação naquela convenção. Aprenderam uma lição profunda ali. Quando grandes princípios e posições políticas estão envolvidos em uma disputa partidária ninguém poderá apanhá-los com conversa fiada sobre o “regime”.
Frustrada e derrotada, com a sua facção reduzida a um punhado de pessoas desmoralizadas, Abern “submeteu-se” à decisão da convenção sob o princípio do centralismo democrático, não por lealdade ao partido mas por desamparo. Mesmo fazendo-o, fez um gesto final característico de despeito venenoso. Weber, que tinha sido um dos dirigentes reconhecidos da oposição, foi recusado como candidato na chapa de candidatos para representar a minoria no novo Comitê Nacional. Isto foi projetado para “puni-lo” por ter colocado a lealdade ao partido acima dos interesses da fração e ter se posicionado de modo tão forte pela unidade do partido. Vai sem dizer que a maioria da convenção não podia tolerar um procedimento tão mesquinho. A maioria retirou um dos seus próprios candidatos em favor de Weber. Foi deste modo que todos nós, incluindo Shachtman e Burham, avaliamos o “papel” de Weber “na disputa daqueles anos” quando o “papel” de todos era claro acima de qualquer incompreensão.

* * *

Aquela convenção no início da primavera de 1936 decidiu a questão da entrada no OS. A direção e a grande maioria do partido voltaram sua atenção para os novos problemas e novas tarefas. Muste renegou o bloco com Abern contra Cannon de modo a fazer um bloco com Deus contra outro demônio. Abern voltou-se para a tarefa de evitar a desagregação da sua camarilha a todo o custo pelo seu notório método de escola de correspondência de “manter os camaradas informados” de todos as mais sigilosas questões do comitê dirigente.
Este procedimento sórdido de intriga incessante e deslealdade persistente, continuado após a convenção, era conhecido de todos os camaradas informados nos círculos dirigentes e foi registrado de tempos em tempos em correspondência entre eles. Durante uma ausência da cidade de algumas semanas devido a uma doença recebi uma carta de Burham afirmando:
“Uma carta recebida ontem à noite de Meyers contém o seguinte: ‘ouvimos dizer através de ---------- que você irá à conferência do ICI. Foi dito na presença de não integrantes da nossa tendência que sua viagem é sigilosa dentro do Comitê Político. Ela cita Abern como a fonte desta informação e algumas outras.’ Uma carta recebida ao mesmo tempo de Kerry contém o seguinte: ‘(...) À noite passada, na presença de diversos camaradas e de uma pessoa de fora, o camarada afirmou que tínhamos parado de trabalhar pela IV Internacional. Objetei à afirmação e desafiei-a apresentar provas (...) Ela afirmou que recebera informação de um membro do Comitê Político, que em uma reunião recente do Comitê Político esta mesma questão foi discutida e resultou em uma confirmação da sua surpreendente afirmação. Neguei sem hesitação a verdade da afirmação e disse que não podia e não acreditaria nela. Diante disso, ela passou a apresentar uma carta escrita por Abern e leu a parte sobre a qual baseava a sua afirmação. Era com este propósito que haveria uma conferência da IS e que Jim Cannon estaria presente nesta conferência, mas o assunto todo devia ser mantida em segredo e sigilosa. Que o camarada Trotski participaria nesta conferência e era preparatória para uma conferência a ser convocada pela ICL etc. (...) Ela afirmou que o fato da nossa participação nesta conferência era para ser um segredo. Tínhamos parado de trabalhar pela IV Internacional. A ponto de afirmar nossa lealdade à Segunda...!”
Este é um dos incidentes dentre dúzias que são conhecidos de todos os camaradas dirigentes. Burham sabia o que estava dizendo quando afirmou que no documento apresentado ao Comitê Político junho passado que a camarilha de Abern “foi mantida viva e ainda vive”, entre outras coisas, “pela distribuição coletiva de mexerico e informação, incluindo informação sigilosa”. No dia 17 de novembro de 1936, quando Burham estava em conflito agudo comigo sobre alguma questões de política e procedimento no PS, mas muito antes a idéia de um bloco com Abern havia raiado na sua mente, ele escreveu-me na Califórnia: “Todos conhecemos a perspectiva de Abern. Como sempre, luta por sua perspectiva com seus métodos de camarilha, fazendo surgir problemas, criando obstáculos quando ninguém está olhando, pescando em águas turvas. Vimos um pouco disso nas seis primeiras semanas. A paralisia nos comitês dirigentes um pouco antes de você ir e a defecção de Muste o retardaram um pouco. Mas ele continua do seu próprio jeito; relatórios continuam filtrando”.
Na mesma carta, antes que a camarilha de Abern tivesse sido milagrosamente inventada, ele escreveu a respeito dos meus métodos de luta por uma posição com a qual discordava: “naturalmente, você não luta por ela nem a leva adiante como faz Abern. Você não é um homem de camarilha; você prefere da sua própria maneira irlandesa urde o ‘punho bolchevique’.“Naturalmente, a opinião de Burham daquela época acerca da minha rudeza era um tanto exagerada, como os acontecimentos posteriores demonstraram. Na realidade, meus métodos nestas disputas eram bastante moderados, até mesmo pacificistas. Burham, porém, estava 100% certo quando disse que não havia nada de “camarilhesco” a respeito deles e esta avaliação seria 100% correta hoje ou em qualquer outro momento.
Todo o partido lembra-se, com gratidão e apreciação, do magnífico trabalho feito pelos nossos camaradas no Comitê de Defesa de Trotski[6] em 1936-37. O sucesso da tarefa requeria a colaboração não apenas de todos os membros da nossa tendência, mas dos socialistas tomasistas[7] e também de um amplo círculo de liberais e radicais independentes; teria sido fatal conduzir este tremendo empreendimento como um assunto estreito da facção “trotskista”. Em geral, penso, estes perigos foram evitados sem sacrificar demasiado o conteúdo político do trabalho do comitê. Porém, em um estágio, durante a ausência de Novack e a doença de Morrow, Abern foi colocado temporariamente como responsável do escritório. De acordo com testemunho de todos os companheiros envolvidos, ele converteu imediatamente o escritório em um quartel-general faccional, não da facção trotskista como um todo, mas de uma facção da facção trotskista. Morrow foi obrigado a voltar ao escritório antes que tivesse se recuperado de sua doença a pedido do consciencioso administrador do escritório, camarada Pearl Kluger.
Abern sempre foi completamente cego para os interesses do partido e mesmo para o interesse mais amplo do movimento geral, quando os interesses de sua própria camarilha mesquinha e desprezível estavam envolvidos. São tais acontecimentos como o que transpirou no Comitê de Defesa de Trotski que Burham tinha em mente quando disse que os postos que Abern ocupa são sempre “administrados de tal modo a ajudar na manutenção da sua camarilha”.
No início do verão de 1937, tornou-se evidente que nossa luta enquanto facção do Partido Socialista estava se aproximando de uma decisão. Uma reunião altamente sigilosa do comitê dirigente da nossa facção foi realizada para discutir nossa estratégia e fazer nossos planos para a necessária e inevitável ruptura. Poucos dias depois, Jack Altman teve um relatório completo desta reunião, incluindo seus aspectos sigilosos, o que um havia dito, o que um outro havia dito e o que, finalmente, havia sido decidido - todos os nossos segredos “militares”. Altman publicou amplamente este relatório nas fileiras do Partido Socialista e causou-nos não poucos constrangimentos e danos. O relatório da nossa reunião sigilosa que Altman publicou consistia de uma carta escrita por Abern para um aliado seu em outra cidade que sequer era membro do Comitê Nacional e que não tinha qualquer direito à informação que não havia sido dada a outros camaradas naquele momento por razões óbvias. Segundo Abern, a carta perdeu-se no correio e caiu nas mãos de Altman.
É desnecessário dizer que esta quebra de confiança, somada a toda a experiência anterior, suscitou a maior indignação nos círculos dirigentes do nosso partido. Foi contemplada seriamente a possibilidade de uma ação drástica contra Abern. A indignação cresceu ainda mais quando um pouco depois quando descobriu-se que uma carta altamente sigilosa, tratando da nossa estratégia na luta pela ruptura com os burocratas do PS, uma carta destinada apenas para o pequeno grupo dirigente da nossa facção, foi tornada pública para membros individuais do partido e discutida através da fileiras partidárias em Nova Iorque. Chegamos até a indicar uma Comissão de Controle (Cannon e Shachtman!) para investigar o vazamento. A Comissão de Controle estabeleceu pelo testemunho incontestável de camaradas que Abern havia tornado público o conteúdo da carta para eles. Se não tomamos drásticas medidas disciplinares contra Abern naquele momento, foi apenas porque estávamos no centro de uma luta desesperada contra os centristas do PS e sabiamente ou não estimamos melhor passar por cima de um ato de deslealdade uma vez mais de modo a concentrar toda a energia e atenção na luta contra o inimigo centrista. Além disso, nosso terrível “regime” nunca punira ninguém por qualquer coisa que fosse e, por alguma razão idiota incompreensível não queria estragar o recorde.

* * *

Em “A guerra e o conservadorismo burocrático”, somos presenteados com um retrato tocante de um camarilheiro reformado e purificado que “durante os últimos três anos”, não apenas cessou de criar problemas no partido por sua própria conta, como até mesmo desempenhou o papel de um policial benevolente derimindo disputas instigadas por outros. “Na realidade, Abern, que com Weber dirigiu a luta contra a entrada foi, nos últimos três anos, a extremos para evitar a erupção da presente disputa, foi aos maiores extremos para evitar toda disputa e aquietá-las quando apareceram.”
A verdade é que a camarilha de Abern estava tão desacreditada pelo seu desempenho passado que não ousou conduzir quaisquer lutas abertamente. A camarilha de Abern nunca teve uma plataforma política e nunca procurou nos seus 10 anos de história travar uma luta aberta sem aliados influentes que fornecessem o programa político e a “fachada”. Originalmente, tinha Shachtman, depois Muste e Spector e agora Burham - and Shachtman novamente. Na entressafra, a camarilha mantém-se oculta, faz o seu pequeno comércio de fofocas, murmura suas mágoas e queixas a respeito do regime, desorienta os camaradas jovens e inexperientes - e fica de tocaia pela eclosão de um conflito entre os dirigentes de maior influência. Neste momento, procura mascatear seu apoio pelo programa político da oposição - qualquer programa - em troca de uma combinação em torno da “questão organizativa”.
Quando esta oportunidade não existe, o grupo de Abern, como um Estado balcânico, “evita conflitos”, não por boa vontade, mas por desamparo e medo de manter-se sobre seus próprios pés. Toda a história do nosso movimento, não apenas os “três últimos anos”, mostra que a camarilha de Abern, o Estado balcânico do partido, mantém-se oculta quando há paz no partido, mas está sempre pronta para a guerra no momento em que possa encontrar um aliado poderoso para “garantir suas fronteiras” e mesmo abrir a perspectiva de uma pequena extensão “territorial”.
A política de camarilha e o combinacionismo e o grupo de Abern, que representa e simboliza estas práticas odiosas são, de fato, como escreveu Shachtman em 1936, “uma corrente sinistra na circulação sangüínea do partido”. Contribuem não para a educação, mas para a corrupção do partido. O partido deve curar-se desta doença para poder viver e avançar para a realização das suas grandes tarefas. A tentativa da combinação oposicionista de borrar o prontuário da camarilha de Abern, tornou necessário este longo relato da sua história real, composta do começo ao fim de fatos irrefutáveis e inatacáveis. A camarilha de Abern, como todas as camarilhas, cresce no escuro. Era necessário arrastá-la para a luz do dia e mostrar ao partido o que é e o que sempre foi a ameaça de ruptura na atual situação, à qual o pérfido grupo de Abern contribuiu no mais alto grau, é um aviso final para o partido: a política de camarilha e o combinacionsimo não podem mais ser tolerados! Para que o partido possa viver, a política de camarilha e o combinacionismo devem ser destruídos. A próxima convenção do partido está confrontada com esta tarefa inadiável.


________________________________________
[1] Oehler -
[2] Muste -
[3] YPSL - organização de juventude do SWP
[4] Workers Party -
[5] Daily Worker - órgão oficial do Partido Comunista dos EUA na época
[6] Comitê de Defesa de Trtoski -
[7] Tomasistas - refere-se aos seguidores de Norman Thomas, chefe da ala direita do Partido Socialista dos EUA.

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