V. Lenin
(O Estado e a revolução, cap. II e III)
No Manifesto Comunista, em 1847, Marx ainda não dava a essa pergunta senão uma resposta completamente abstrata, ou melhor, limitava-se a enunciar o problema sem precisar os meios de o resolver. Substituir a máquina do Estado pelo “organização do proletariado como classe dominante”, pela “conquista da democracia”, tal era a resposta do Manifesto Comunista.
Para não cair na utopia, Marx esperava da experiência do movimento de massas a resposta à questão de saber que formas concretas tomaria essa organização do proletariado como classe dominante e de que modo essa organização se coordenaria com a “conquista da democracia” mais completa e mais conseqüente.
Na Guerra Civil em França, Marx submete a uma análise das mais atentas a experiência da Comuna, apesar de suas limitações. (...)
Em que consistia concretamente essa forma “determinada” de república proletária, socialista? Que espécie de Estado a Comuna começou a criar?
“O primeiro decreto da Comuna foi a supressão do exército permanente e sua substituição pelo povo armado...”(...)
“A Comuna foi formada por conselheiros municipais eleitos por sufrágio universal nos diferentes bairros de Paris. Eram responsáveis e podiam ser destituídos a qualquer momento. A maioria compunha-se, muito naturalmente, de operários ou de representantes reconhecidos da classe operária...”.
“A polícia, até então agente do governo central, foi imediatamente despojada das suas atribuições políticas, e transformada em instrumento da Comuna, responsável perante ela e destituível a qualquer momento... O mesmo princípio foi aplicado a todos os funcionários da administração... A começar pelos membros da Comuna, e daí para baixo, a remuneração do serviço público não devia ser superior a um salário de operário. Os direitos adquiridos e as despesas de representação dos altos titulares do Estado desapareceram junto com esses mesmos titulares... Suprimidos o exército permanente e a polícia, os elementos da força material do antigo governo, a Comuna decidiu destruir a força de repressão espiritual, o poder dos padres... Os magistrados perderam a sua aparente independência... Como os demais servidores do povo, os magistrados e os juizes deviam ser eleitos, responsáveis e destituíveis a qualquer momento...”
Deste modo, a Comuna substitui a máquina de Estado quebrada, aparentemente “apenas” por uma democracia mais completa: supressão do exército permanente, plena elegibilidade e amoviblidade de todos os funcionários públicos. Mas, na realidade, este “apenas” significa a substituição grandiosa de umas instituições por outras instituições de caráter fundamentalmente diferente. Aqui se observa exatamente um caso de “transformação da quantidade em qualidade”: a democracia, realizada de um modo tão completo e conseqüente quanto é possível conceber, converte-se de democracia burguesa em democracia proletária, de um Estado (força especial para a repressão de uma determinada classe) em qualquer coisa que já não é propriamente um Estado. (...)
Em lugar de instituições especiais de uma minoria privilegiada (a burocracia privilegiada, os chefes do exército permanente), a própria maioria pode desempenhar diretamente estas funções, e quanto mais o próprio povo assumir essas funções próprias do poder de Estado, tanto menos se fará sentir a necessidade desse poder. (...)
Elegibilidade absoluta, possibilidade de destituir a qualquer momento todos os funcionários públicos, sem exceção, redução dos seus vencimentos ao nível do salário operário habitual – essas medidas democráticas, simples e “evidentes por si mesmas”, unificando os interesses dos operários e da maioria dos camponeses, servem, ao mesmo tempo, de ponte entre o capitalismo e o socialismo. Essas medidas dizem respeito à reorganização do Estado, à reorganização meramente política da sociedade, mas é evidente que só adquirem seu pleno sentido e importância ao se ligarem com a “expropriação dos expropriadores”, em preparação ou realização, isto é, com a transformação da propriedade privada capitalista dos meios de produção em propriedade social.
A supressão do parlamentarismo
“A Comuna – escreveu Marx – devia ser, não uma corporação parlamentar, mas sim uma corporação de trabalho, executivo e legislativo ao mesmo tempo... Ao invés de decidir, de três em três ou de seis em seis anos, quê membros da classe dominante devem representar e reprimir o povo no parlamento, o sufrágio universal devia servir ao povo, organizado em comunas, para recrutar, ao seu serviço, operários, contramestres, guarda-livros, da mesma forma que o sufrágio individual serve aos patrões, na sua procura de operários ou contramestres para suas empresa.” (...)
Decidir periodicamente, para um certo número de anos, que membros da classe dominante vão reprimir e esmagar o povo no parlamento, eis a própria essência do parlamentarismo burguês, não somente nas monarquias parlamentares constitucionais, como também nas repúblicas mais democráticas.
Mas, se colocamos a questão do Estado, se enfocamos o parlamentarismo como uma das instituições do Estado, do ponto de vista da ação do proletariado nesse terreno, qual é, pois o meio de sair do parlamentarismo, como é possível abrir mão do parlamentarismo? (...)
O meio de sair do parlamentarismo não é, certamente, anular as instituições representativas e a elegibilidade, mas sim transformar estas instituições representativas, de lugares de charlatanice, em instituições de trabalho. “A Comuna devia ser, não uma corporação parlamentar, mas sim uma corporação de trabalho, executivo e legislativo ao mesmo tempo.”
Uma corporação “não parlamentar, mas de trabalho”, isto atinge diretamente os parlamentares modernos e os “cãezinhos de colo” parlamentares da social-democracia! Reparem em qualquer país de parlamentarismo, desde a América à Suíça, desde a França à Noruega, etc.: o verdadeiro “trabalho de Estado” é feito por detrás dos bastidores, é executado pelos ministérios, pelas secretarias, pelos estados-maiores. Nos parlamentos nada se faz além de tagarelar, com o único intuito de enganar a “plebe”. (...)
A Comuna substitui esse parlamentarismo venal e putrefato da sociedade burguesa por instituições em que a liberdade de opinião e de discussão não degenera em enganação, porque os próprios parlamentares têm que trabalhar, eles mesmos fazer executar as suas leis, verificar os resultados obtidos e responder diretamente perante os seus eleitores. As instituições representativas são mantidas, mas já não existe mais o parlamentarismo como sistema especial, como divisão do trabalho legislativo e executivo, como situação privilegiada para os deputados. Não podemos fazer idéia de uma democracia, mesmo proletária, sem instituições representativas, mas podemos e devemos concebê-la sem parlamentarismo, se a crítica da sociedade burguesa não é para nós uma palavra vã, se o nosso esforço para derrubar a dominação da burguesia é um esforço honesto e sincero e não uma expressão “eleitoral”, destinada simplesmente a surrupiar os votos dos operários, como sucede com os mencheviques e os socialistas-revolucionários (...).
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