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O Estado e a Democracia Burguesa - V.Lenin

O estado
Palestra proferida na Universidade Sverdlov, em julho de 1919

Já disse que a obra de Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, poderia servir de ajuda. Aí se diz precisamente que qualquer Estado em que exista a propriedade privada sobre a terra e os meios de produção e em que domine o capital, por mais democrático que seja, é um Estado capitalista, é uma máquina nas mãos dos capitalistas para manter submetidos a classe operária e o campesinato pobre. E o sufrágio universal, a Assembléia Constituinte, o parlamento, são apenas a forma, uma espécie de letra de câmbio, que em nada altera o fundo da questão.



A forma de dominação do Estado pode ser variada: o capital manifesta a sua força de uma maneira, onde existe uma forma, e de outra, onde existe outra forma, mas, na essência o poder continua nas mãos do capital, quer exista o sufrágio censitário ou outro, quer exista uma república democrática, e mesmo quanto mais democrática ela for tanto mais grosseira e cínica é essa dominação do capitalismo. Uma das repúblicas mais democráticas do mundo são os Estados Unidos da América e em nenhum outro país (...), em parte nenhuma o poder do capital, o poder de um punhado de multimilionários sobre toda a sociedade se manifesta de forma tão grosseira, com tão aberta corrupção como na América. O capital, uma vez que existe, domina toda a sociedade, e nenhuma república democrática, nenhum direito eleitoral, modifica a essência do problema.

A república democrática e o sufrágio universal, em comparação com o regime feudal, constituíram um enorme progresso: deram a possibilidade ao proletariado de atingir a união e a coesão que ele tem, de constituir as fileiras harmoniosas e disciplinadas que travam uma luta sistemática contra o capital. Nada de semelhante, mesmo aproximadamente, tinha o servo camponês, sem falar dos escravos. Os escravos, como sabemos, sublevavam-se, organizavam motins, desencadeavam guerras civis, mas jamais puderam criar uma maioria consciente, partidos que dirigissem a luta, nem puderam compreender com clareza que objetivos perseguiam, e mesmo nos momen­tos mais revolucionários da história revelaram-se sempre peões nas mãos das classes dominantes. A república burguesa, o parlamento, o sufrágio univer­sal, tudo isso constitui, do ponto de vista do desenvolvimento mundial da sociedade, um enorme progresso. A humanidade avançou para o capita­lismo, e só o capitalismo, graças à cultura urbana, deu à classe oprimida dos proletários a possibilidade de adquirir consciência de si mesma e de criar o movimento operário mundial, de organizar milhões de operários de todo o mundo em partidos, os partidos socialistas, que dirigem conscientemente a luta das massas. Sem parlamentarismo, sem eleições, este desenvolvimento da classe operária teria sido impossível. Eis porque, aos olhos das mais amplas massas, tudo isto adquiriu uma importância tão grande. Eis porque essa mudança radical parece tão difícil. Não são apenas hipócritas conscien­tes, sábios e padres que apóiam e defendem esta mentira burguesa de que o Estado é livre e se destina a defender os interesses de todos, mas também uma quantidade de pessoas que repetem sinceramente os velhos preconceitos e não podem compreender a passagem da velha sociedade capitalista para o socialismo. Não só as pessoas que se encontram diretamente dependentes da burguesia, não só aqueles que se encontram sob o jugo do capital ou os que foram subornados por ele (o capital tem ao seu serviço uma quantidade de toda a espécie de sábios, artistas, padres, etc.), mas também pessoas que se encontram simplesmente sob a influência dos preconceitos da liberdade burguesa (...)

Devemos rechaçar todos os velhos preconceitos de que o Estado é a igualdade universal, pois isso é uma fraude: enquanto existir a exploração, não pode haver igualdade. O latifundiário não pode ser igual ao operário, o faminto ao saciado. Esta máquina chamada Estado, perante a qual as pessoas se submetem com um respeito supersticioso porque acreditam nas velhas histórias se­gundo as quais ele significa o poder de todo o povo, o proletariado rejeita esta máquina e diz: isto é uma mentira burguesa.

O estado e a revolução
Capítulo V

A sociedade capitalista, considerada nas suas mais favoráveis condições de desenvolvimento, oferece-nos uma democracia mais ou menos completa na República democrática. Mas, essa democracia é sempre comprimida no quadro estreito da exploração capitalista; no fundo, ela não passa nunca da democracia de uma minoria, das classes possuidoras, dos ricos. A liberdade na sociedade capitalista continua sempre a ser, mais ou menos, o que foi nas Repúblicas da Grécia antiga: uma liberdade de senhores fundada na escravidão. Os escravos assalariados de hoje, em conseqüência da exploração capitalista, vivem por tal forma acabrunhados pelas necessidades e pela miséria, que nem tempo têm para se ocupar de “democracia” ou de “política”; no curso normal e pacífico das coisas, a maioria da população se encontra afastada da vida política e social.

O exemplo da Alemanha confirma-o com rara evidência. Com efeito, a legalidade constitucional manteve-se com uma constância e uma duração surpreendentes durante perto de meio século (1871/1914), e a social-democracia, durante esse período, soube, muito mais que em qualquer outro lugar “tirar proveito” dessa legalidade e organizar politicamente um número de trabalhadores muito mais considerável que em qualquer outra parte do mundo.

E qual é, nesse país, a proporção de escravos assalariados politicamente conscientes e ativos, proporção que é a mais elevada na sociedade capitalista? De quinze milhões de operários assalariados, um milhão pertence ao Partido social-democrata! De quinze milhões, três milhões são sindicalizados!

A democracia para uma ínfima minoria, a democracia para os ricos - tal é a democracia da sociedade capitalista. Se observarmos mais de perto o seu mecanismo, só veremos, sempre e por toda parte, nos “menores” (presentemente os menores) detalhes da legislação eleitoral (censo domiciliário, exclusão das mulheres, etc.), assim como no funcionamento das assembléias representativas, nos obstáculos de fato ao direito de reunião (os edifícios públicos não são para os “maltrapilhos”), na estrutura puramente capitalista da imprensa diária, etc., etc., só veremos restrições ao princípio democrático. Essas limitações, exceções, exclusões e obstáculos para os pobres, parecem insignificantes, principalmente para aqueles que nunca conheceram a necessidade e que nunca conviveram com as classes oprimidas nem conheceram de perto a sua vida (e nesse caso estão os nove décimos, senão os noventa e nove centésimos dos publicistas e dos políticos burgueses); mas, totalizadas, essas restrições eliminam os pobres da política e da participação ativa na democracia. Marx percebeu perfeitamente esse traço essencial da democracia capitalista, ao dizer, na sua análise da experiência da Comuna: os oprimidos são autorizados, uma vez cada três ou seis anos, a decidir qual, entre os membros da classe dominante, será o que, no parlamento, os representará e esmagará!
A democracia burguesa e a ditadura do proletariado
Teses de Lênin para o 1º Congresso da Internacional Comunista, março de 1919

De outra parte, os operários sabem muito bem que a liberdade de reunião, mesmo na república burguesa mais democrática, é uma frase vazia de sentido, pois os ricos possuem os melhores prédios públicos e privados, assim como o tempo livre necessário para se reunirem sob a proteção deste aparelho governamental burguês. Os proletários da cidade e do campo e os pequenos agricultores, isto é, a imensa maioria da população, não possuem nem um nem outro. Longe disso, a igualdade, isto é, a democracia pura, é um engodo. Para conquistar a verdadeira legalidade, para realizar verdadeiramente a democracia em proveito dos trabalhadores, é necessário, preliminarmente, tirar dos exploradores todos os bens públicos e privados; é necessário, preliminarmente, dar tempo livre aos trabalhadores; é necessário que a sua liberdade de reunião seja protegida por operários armados e não por oficiais provincianos ou capitalistas com soldados postados para sua devoção.

(...)

A liberdade de imprensa é igualmente uma das grandes bandeiras da democracia pura. Mais uma vez, os operários sabem que os socialistas de todos os países reconheceram milhões de vezes que esta liberdade é uma mentira, tanto que as melhores impressoras e os maiores estoques de papel são monopolizados pelos capitalistas (...).

A fim de conquistar a verdadeira igualdade e a verdadeira democracia no interesse dos trabalhadores, dos operários e dos camponeses, é preciso começar por tirar do capital a possibilidade de alugar os escritores, de comprar e corromper os jornais e editoras, e por isso é necessário destruir o jugo do capital, destruir os exploradores, quebrar sua resistência. Os capitalistas chamam liberdade de imprensa a capacidade dos ricos de corromperem a imprensa, à capacidade de utilizar sua riqueza para fabricar e sustentar uma suposta opinião pública. Os defensores da “democracia pura” são na realidade os defensores do sistema vil e corrompido da dominação dos ricos sobre a educação das massas; eles são os que enganam o povo e o desviam com belas frases mentirosas desta necessidade histórica de libertar a imprensa de sua submissão ao capital.

Verdadeira liberdade ou igualdade só existirá no regime edificado pelos comunistas, no qual será materialmente impossível submeter a imprensa direta ou indiretamente ao poder do dinheiro, no qual nada impedirá cada trabalhador, ou cada grupo de trabalhadores, de possuir ou usar, em total igualdade, o direito de se servir das máquinas e do papel do Estado. (...)

O assassinato de Karl Liebcknecht e Rosa Luxemburgo é um fato de importância histórica universal, não só pela morte trágica de pessoas e dos melhores dirigentes da verdadeira Internacional proletária e comunista, mas também porque ele desnudou, no Estado mais avançado da Europa e, pode-se dizer, do mundo inteiro, a verdadeira essência do regime burguês. Se pessoas em estado de prisão, isto é, presas pelo poder governamental dos social-patriotas, sob sua guarda, puderam ser mortas impunemente por oficiais e capitalistas, é porque a república democrática na qual tal fato foi possível é apenas a ditadura da burguesia. (...)

A velha democracia, quer dizer, a democracia burguesa e o parlamentarismo, está organizada de tal maneira que as massas operárias estão cada vez mais distantes do aparelho governamental.

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