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O ESTADO CAPITALISTA

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(ABC DO COMUNISMO, cap. I, de N. Buckarin(1) e E. Preobrazhenski(2). Obs: esta obra dos dois dirigentes e teóricos de economia do Partido Bolchevique russo, foi escrita em 1919 para ser usada nos cursos básicos do partido).
A sociedade capitalista baseia-se, como vimos, na exploração da classe operária. Um punhado de indivíduos possui tudo; a maioria dos operários obedece. Os capitalistas exploram, os operários são explorados. A sociedade capitalista consiste essencialmente nesta exploração implacável e sempre crescente.
A produção capitalista é uma bomba que se destina a aspirar a mais-valia. Como, porém, pode funcionar essa bomba, há tanto tempo? Como os operários suportam semelhante estado de coisas? Há duas razões principais: 1ª) A organização e a força estão nas mãos dos capitalistas; 2ª) A burguesia domina geralmente os cérebros da classe operária.
O esteio mais firme da burguesia é a organização do Estado. Em todos os países capitalistas, o Estado não passa de uma coligação de patrões. Escolhamos, ao acaso, qualquer país: a Inglaterra ou os Estados Unidos, a França ou o Japão... Ministros, altos funcionários, deputados, são sempre os mesmos capitalistas, proprietários, banqueiros ou os seus servidores fiéis, e bem pagos, que os servem, não por medo, mas cheios de zelo: advogados, diretores de bancos, professores, generais e bispos.

A organização de todos esses burgueses, que abarca o país inteiro e o prende nas suas terras, chama-se Estado. Ela tem um duplo fim: o principal é reprimir as desordens e as revoltas dos operários, sugar mais à vontade a mais-valia da classe operária e assegurar a solidez do modo capitalista de produção; o outro fim é lutar contra outras organizações semelhantes (outros Estados burgueses) para a divisão da mais-valia extorquida. Assim, o Estado capitalista é uma associação de patrões que garante a exploração. São exclusivamente os interesses do capital que guiam a atividade desta associação de bandidos.
A essa concepção do Estado burguês, podem ser feitas as seguintes objeções: — Dizem que o Estado é guiado unicamente pelos interesses do Capital. Mas, olhem em todos os países capitalistas, existem leis operárias que proíbem ou limitam o trabalho das crianças, diminuem o dia de trabalho, etc.; na Alemanha, por exemplo, no tempo de Guilherme lI, o seguro operário não era mal organizado pelo Estado; na Inglaterra foi igualmente um ministro burguês, o ativo Lloyd George, que instituiu os seguros e os asilos para os velhos; em todos os Estados burgueses, constroem-se hospitais, casas de convalescença para os operários; constroem-se estradas de ferro, que transportam tanto os pobres como os ricos; fazem-se aquedutos, canalizações de águas nas cidades, etc. e todo o mundo se aproveita dessas coisas. Por conseguinte — dirão muitos — mesmo num país que o Capital domina, o Estado não age unicamente no interesse do Capital, mas também no interesse dos operários. Ele impõe mesmo, algumas vezes, multas aos fabricantes que transgridem as leis operárias.
Essas objeções não se justificam, e diremos o porquê. É verdade que o poder burguês dita, algumas vezes, leis e decretos de que se aproveita também a classe operária, Mas, se ele o faz, é no interesse da burguesia. Tomemos para exemplo a estrada de ferro: — elas são utilizadas pelos operários, mas não são construídas para eles. Comerciantes, fabricantes, precisam delas para transportar suas mercadorias, para a circulação dos seus gêneros, para a mobilização das tropas e dos operários, etc. O Capital precisa de ferrovias e as constrói para seu próprio interesse. Elas são úteis, também aos operários, mas esta não é a razão que faz o Estado capitalista construí-las. Consideremos, também, a limpeza das ruas, o serviço municipal de assistência e dos hospitais: a burguesia também os assegura nos bairros operários. É bem verdade que, comparados aos bairros burgueses, os bairros operários são sujos e constituem focos de infecção, etc. Mas, ainda assim, a burguesia faz alguma coisa. Por quê? Muito naturalmente porque, a não ser assim, as doenças e as epidemias espalhar-se-iam por toda a cidade e iriam causar sofrimentos aos burgueses. O Estado burguês e seus órgãos das cidades são guiados, também, nesses casos, pelos interesses da própria burguesia.
Ainda um exemplo. Na França, nos últimos dez anos, os operários aprenderam com a burguesia a limitar artificialmente os nascimentos: ou as famílias não têm filhos ou não têm mais de dois. A miséria entre os operários é tão grande, que se torna difícil e quase impossível sustentar uma família numerosa. A conseqüência é que a população da França quase já não aumenta. Os soldados começam a faltar à burguesia francesa. Eis que ela se lamenta: “A nação corre perigo! Na Alemanha a população aumenta mais depressa do que no nosso país”. Seja dito de passagem: os soldados que se apresentavam à chamada todos os anos eram baixos, fracos do peito, pouco vigorosos. Então a burguesia tornou-se subitamente, mais liberal, ela mesmo insistiu por certas melhorias em proveito da classe operária para que esta se fortalecesse um pouco e produzisse mais filhos. Isto porque, morrendo a galinha, lá se vão os ovos.
Em todos esses casos a burguesia é que adota, por si mesma, medidas úteis aos operários, mas, para isto, ela é guiada pelos seus próprios interesses. Há casos em que leis úteis são ditadas pela burguesia sob a pressão da classe operária. São os mais numerosos. Quase todas as “leis operárias” foram obtidas deste modo — por meio de ameaças dos operários. Na Inglaterra, a primeira diminuição do dia de trabalho — reduzido a dez horas — foi adquirida sob pressão dos operários. Na Rússia o governo czarista promulgou as primeiras leis sobre fábricas, amedrontado pela agitação e pelas greves. Neste caso, o Estado, inimigo da classe operária, o Estado, esta coligação de patrões, faz o seguinte cálculo no seu próprio interesse: “ melhor ceder alguma coisa hoje, do que ceder amanhã o dobro e arriscar talvez a nossa pele”. Assim como o fabricante, cedendo aos grevistas e aumentando-lhes alguns tostões, não deixa de ser fabricante, o Estado burguês também não deixa de ser burguês quando, ameaçado de uma agitação operária, atira um osso ao proletariado.
O Estado capitalista não é somente a maior e a mais poderosa organização burguesa; é, ao mesmo tempo, uma organização muito complicada, com numerosas funções e cujos tentáculos se distendem em todos os sentidos. Tudo isto tem por fim principal a defesa, o reforçamento e a extensão da exploração dos operários. O Estado dispõe, contra a classe operária, tanto de meios de coerção brutal, como de escravidão moral, meios que constituem os órgãos mais importantes do Estado capitalista.
Entre os meios de coerção brutal, é preciso notar, em primeiro lugar, o exército, a polícia civil e militar, as prisões e os tribunais, e seus órgãos auxiliares: espiões provocadores, fura-greves, etc.
O exército, no Estado capitalista, é uma organização à parte. À sua frente estão os oficiais superiores, as “altas patentes”. Recrutam-se entre os intelectuais. São os mais encarniçados inimigos do proletariado; são instruídos, desde a sua mocidade, em escolas militares especiais. Ensinam-lhes a embrutecer os soldados, a defender a honra da “farda”, isto é, a conservar os soldados em completa escravidão e a fazer deles peões de jogo de xadrez. Os mais capazes desses aristocratas e grandes burgueses chegam a generais, e cobrem-se de cruzes e condecorações.
Os oficiais também não saem das classes pobres. Têm nas mãos toda a massa dos soldados. E os soldados estão de tal modo trabalhados que não se atrevem a perguntar porque se batem e só vêem com os olhos dos superiores. Tal exército destina-se, antes de tudo, à repressão dos movimentos operários.
Polícia militar e civil — O Estado capitalista além do seu exército regular, possui ainda um corpo de vadios exercitados e tropas especialmente instruídas para a luta contra os operários. É verdade que essas instituições (a polícia, por exemplo), têm igualmente por fim a luta contra os ladrões e a chamada “garantia pessoal e material dos cidadãos”, mas elas são mantidas também para dar caça, perseguir e castigar os operários descontentes. Na Rússia, os agentes da polícia eram os mais seguros defensores dos proprietários de terras e do czar. A polícia mais brutal, em todos os Estados capitalistas, é a polícia secreta (a polícia política, chamada de Okhrana, na Rússia), assim como a cavalaria. Com elas trabalham uma infinidade de secretos provocadores, espiões, fura-greves e toda uma corja. (...)
A Justiça, no Estado burguês, é um meio de defesa para a burguesia; antes de tudo, ela condena os que se atrevem a atentar contra a propriedade capitalista ou contra o sistema capitalista. Esta Justiça condenou Liebknecht(3) aos trabalhos forçados e absolveu seus assassinos. As autoridades judiciárias procedem com o mesmo rigor dos carrascos do Estado burguês. O fio da sua espada é dirigido contra os pobres, e não contra os ricos.
Tais são as instituições do Estado capitalista que têm a incumbência da repressão direta e brutal da classe operária.
Entre os meios de escravidão moral da classe operária que estão à disposição do Estado capitalista, é preciso ainda mencionar os três principais: a Escola oficial, a Igreja oficial e a Imprensa oficial ou pelo menos sustentada pelo Estado burguês.
A burguesia compreende muito bem que ela não dominará as massas operárias só pela força bruta. Precisa, pois, tecer, em torno dos cérebros das massas, uma fina teia de aranha. O Estado burguês tem os operários na conta de bestas de carga; é preciso que este gado trabalhe, mas não dê coices. É necessário, pois, não só espancá-lo e fuzilá-lo, assim que ele dê coices, como também domesticá-lo, dominá-lo, como fazem certos especialistas nos picadeiros. Assim também, o Estado capitalista educa, para o abastardamento, o embrutecimento e a domesticação do proletariado, técnicos, professores públicos e mestres burgueses, padres e bispos, escritores e jornalistas burgueses. Na escola, estes ensinam às crianças, desde a mais tenra idade, a obedecer ao Capital; a desprezar e a odiar os revoltados; desfiam diante delas uma série de estórias fantasiosas sobre a Revolução e o movimento revolucionário; czares, reis, industriais são glorificados. Nas igrejas os padres a serviço do Estado proclamam: “Não há poder que não venha de Deus”. Os jornais burgueses buzinam todos os dias aos ouvidos dos seus leitores operários esta mentira burguesa. Em tais condições, é fácil ao operário sair do seu atoleiro?
Um bandido imperialista alemão escreveu: “Temos necessidade, tanto das pernas dos soldados, como do seu cérebro e do seu coração.” O Estado burguês quebra lanças justamente para fazer da classe operária um animal doméstico que trabalhe como um cavalo, produza a mais-valia e fique inteiramente manso. É assim que o sistema capitalista garante o seu desenvolvimento. A máquina de exploração põe-se a agir. Da classe operária oprimida extrai-se, continuamente, a mais-valia. E o Estado capitalista, de sentinela, impede que os escravos assalariados se revoltem.
1. Nicolai Buckarin (1888-1938) – membro do Comitê Central do Partido Bolchevique, editor do jornal Pravda. Aliou-se a Stalin após a morte de Lenin. Em 1938 foi executado nos Processos de Moscou.
2. Eugene Preobrazhenski (1886-1937) – membro do Comitê Central do Partido Bolchevique russo até 1921., depois membro da Oposição de Esquerda, dirigida por Trotsky. Um dos principais economistas do partido. Em 1937 foi fuzilado a mando de Stalin, após se recusar a “confessar” os falsos crimes de que foi acusado nos Processos de Moscou.
3. Karl Liebcknecht (1871-1919) - Dirigente da ala esquerda do Partido Social Democrata Alemão (Espartaquistas), fundador do Partido Comunista Alemão. Único deputado da socialdemocracia alemã a votar contra o orçamento para a Primeira Guerra Mundial. Liderou, junto com Rosa Luxemburgo, a insurreição de Berlim de janeiro de 1919, na qual foram assassinados pelo governo da socialdemocracia.

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