Do livro "Esquerdismo, doença infantil do comunismo", disponível em:http://www.marxists.org/portugues/index.htm
V. I. Lênin
II. Uma das condições fundamentais do êxito dos bolcheviques
Certamente, quase todo o mundo hoje vê que os bolcheviques não teriam mantido no poder, não digo dois e meio, mas nem sequer dois meses e meio, sem a disciplina rigorosíssima, verdadeiramente férrea, do nosso partido, sem o apoio total e incondicional de toda a massa operária, quer dizer, de tudo o que ela possui de consciente, honrado, abnegado, influente e capaz de arrastar atrás ou de atrair as camadas atrasadas.
A ditadura do proletariado é a guerra mais heróica e mais implacável da nova classe contra o inimigo mais poderoso, contra a burguesia, cuja resistência se vê duplicada pela sua derrota (ainda que só num país) e cuja potência consiste não apenas na força do capital internacional, na força e na solidez dos vínculos internacionais da burguesia, mas, além disso, na força do costume, na força da pequena produção. Porque, por desgraça, ainda resta no mundo muita, muitíssima pequena produção, e esta engendra capitalismo e burguesia constantemente, em cada dia, a cada hora, de maneira espontânea e em massa. Por todos estes motivos, a ditadura do proletariado é necessária, dado que a vitória sobre a burguesia é impossível sem uma guerra prolongada, persistente, audaz, até a morte: uma guerra que exige seriedade, disciplina, firmeza, inflexibilidade e uma vontade única.
Repito: a experiência da ditadura do proletariado triunfante na Rússia mostrou insofismavelmente a quem não sabe refletir, ou a quem não tenha tido ocasião de meditar sobre este problema, que a centralização incondicional e mais severa disciplina do proletariado constituem uma das condições fundamentais da vitória sobre a burguesia.
Disto se fala com freqüência. Mas não se reflete suficientemente, nem pouco mais ou menos, sobre o que isto significa e em que condições é possível. Não conviria que as saudações entusiastas ao Poder dos Sovietes e aos bolcheviques viessem acompanhadas, com maior assiduidade, da mais séria análise das causas que permitiram aos bolcheviques forjar a disciplina tão precisa ao proletariado revolucionário?
O bolchevismo existe como corrente do pensamento político e como partido desde 1903. Somente a história do bolchevismo em todo o período da sua existência pode esclarecer de um modo satisfatório por que o bolchevismo pôde forjar e manter, nas condições mais árduas, a disciplina férrea indispensável à vitória do proletariado.
A primeira pergunta que se pões é a seguinte: como se mantém a disciplina do partido revolucionário do proletariado?, como se controla?, como se reforça? Antes de mais, pela consciência da vanguarda proletária e pela sua fidelidade à revolução, pela sua firmeza, pelo seu espírito de sacrifício, pelo seu heroísmo. Em segundo lugar, pela capacidade de se ligar, de se aproximar e, até certo ponto, se o quereis, de se fundir com as mais amplas massas trabalhadoras, sobretudo com as massas proletárias, mas também com as massas trabalhadoras não proletárias. Em terceiro lugar, pela justeza da direção política realizada por esta vanguarda, pelo acerto da sua estratégia e da sua tática políticas, com a condição de que as mais vastas massas se convençam disso por experiência própria. Sem estas condições é impossível a disciplina num partido revolucionário verdadeiramente capaz de ser o partido da classe avançada, chamada a derrubar a burguesia e a transformar toda a sociedade. Sem estas condições, os intentos de implantar uma disciplina redundam forçosamente, numa ficção, numa frase à toa, em gestos afetados. Mas, por outro lado, estas condições não podem surgir de improviso. Vão-se formando através de um labor prolongado, de uma dura experiência - elaboração que se facilita com uma adequada teoria revolucionária, a qual, por sua vez, não é um dogma, mas que se forma de maneira definitiva em estreita conexão com a experiência prática de um movimento realmente de massas e verdadeiramente revolucionário.
Se o bolchevismo pôde elaborar e efetuar com êxito, nos anos de 1917-1920, em condições incrivelmente difíceis, a centralização mais rígida e uma disciplina de ferro, isso deveu-se, pura e simplesmente, a uma série de particularidades históricas da Rússia.
Por um lado, o bolchevismo nasceu em 1903, alicerçado na mais sólida base da teoria do marxismo. E a justeza desta teoria revolucionária - e tão-só dela - foi demonstrada tanto pela experiência internacional de todo o século XIX, como, em especial, pela experiência dos desvios, das hesitações, dos erros e dos desenganos do pensamento revolucionário na Rússia. No transcurso de quase meio século, aproximadamente de 1840 a 1890, o pensamento de vanguarda na Rússia, sob o jugo do despótico tsarismo, selvagem e reacionário, buscava avidamente uma teoria revolucionária justa, seguindo com zelo e atenção admiráveis cada "última palavra" da Europa e da América nesta matéria. Efetivamente, a Rússia fez sua a única teoria revolucionária justa, o marxismo, ao longo de meio século de torturas e de sacrifícios inauditos, de heroísmo revolucionário jamais visto, de energia incrível e de buscas abnegadas, de estudo, de provas práticas, de desilusões, de verificações, de confrontos com a experiência da Europa. Devido à emigração provocada pelo tsarismo, a Rússia revolucionária da segunda metade do século XIX contava com uma riqueza de relações internacionais e um conhecimento tão excelente de todas as formas e teorias do movimento revolucionário mundial como nenhum outro país.
Por outro lado, o bolchevismo, assente sobre esta base teórica de granito, viveu uma história prática de quinze anos (1903-1917), sem paralelo no mundo em riqueza de experiências. Pois nenhum país, no decurso desses quinze anos, conheceu sequer aproximadamente uma experiência revolucionária tão viva, uma rapidez e uma variedade tais na sucessão das formas do movimento, legal e ilegal, pacífico e tormentoso, clandestino e às claras, de propaganda nos círculos e entre as massas, parlamentar e terrorista. Em nenhum outro país se concentrou, em tão breve intervalo de tempo, semelhante variedade de formas, de matizes, de métodos de luta de todas as classes da sociedade contemporânea; luta que, além disso, em conseqüência do atraso do país e do pesado jugo tsarista, amadurecia com singular rapidez e assimilava com particular ansiedade e eficácia a "última palavra" da experiência política e européia.
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